Opinião: O Cristo colorido

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: O Cristo colorido
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Não sei quem foi que descobriu, mas é a mais pura verdade. Deus quando resolveu criar o mundo, Ele passou no almoxarifado, pegou um morro no formato de melancia, um vale de cogumelos, uma vargem grande, dois rios e umas lagoas… ficou cinco dias fazendo Formiga. Com o expediente da semana quase fechando, no sexto, Ele cumpriu horas-extras e fez o resto do mundo (talvez por isso, ficou meia-boca). Cansado, no sétimo dia Ele resolveu descansar (em Formiga, é claro, o lugar ficou muito mais bem feito). Esse é argumento irrefutável que repito toda vez que encontro alguém falando bem da Amazônia, do Pantanal ou do Rio de Janeiro.

Que Deus tem um olho de carinho para Formiga, não há a menor dúvida. Talvez por isso, a cidade sempre abrigou uma população religiosa e de muita fé. As quermesses e procissões são as mais movimentadas e as folias e congadas, simplesmente, maravilhosas.

Era a década de 1960 e algumas pessoas resolveram construir uma imagem do Cristo Redentor como retribuição e reconhecimento. Quem lançou a ideia foi o ourives Seu Claudinê dos Santos, num instante todo mundo estava mobilizado. Papai, Seu Coló, era dos mais animados. Lembro-me de ele ir pedir ajuda ao João Corrêa da Casa Auxiliadora e ao Chico Pieroni, um italiano que tinha um armazém de secos e molhados na Praça São Vicente Férrer.

As obras começaram. O local escolhido foi o morro logo acima da casa do engenheiro da Rede Ferroviária. Dali, daria para o Santo Cristo abraçar toda a cidade.

Assim que houve a fundação com pedras e cimento, alguns funcionários da Prefeitura fizeram engradamentos de madeira para servir de molde da parte do corpo do Cristo, que seria de ferragem e concreto. O rosto quem esculpiu foi Dona Geralda, uma artesã de mão cheia, ela era a mãe de Seu Claudinê. Lembro-me que papai me levou com Cecília, minha irmã mais velha, para ver aquela senhora trabalhar na escultura da face de Deus. Emocionante.

Foi lindo o movimento, só que uma questão que foi resolvida e determinada naquele tempo nunca foi cumprida. O Cristo Redentor de Formiga era para ser multicor. Seria pintada uma túnica branca com um manto vermelho por cima com detalhes dourados imitando bordados. O cabelo seria marrom, os olhos azuis e a pele rosada. Eu sei disso porque meu pai chegou um dia em casa todo entusiasmado contando que a ideia teria sido do próprio Claudinê.

O que houve foi que em todo lugar onde há seres humanos, tem aqueles que nunca fazem nada e que só existem para criticar e por defeito. Em algumas rodinhas, diziam que o Cristo iria ficar muito feio, que seus traços eram grossos e que Formiga era tão sem criatividade que estava tentando imitar o Rio de Janeiro. Dá para acreditar?

Para calar os “impuros”, houve a ideia de que o Cristo formiguense seria todo colorido, seria o mais charmoso do Brasil. Foi só aí que os chatos se calaram.

O tempo passou, a escultura foi inaugurada, virou símbolo e nunca mais se tocou no assunto (o que pra mim é uma pena, nunca encontrei ninguém que duvidasse de que se o Cristo Redentor fosse colorido, Ele seria muito mais bonito).