Opinião: Os internacionais e o pastel do Laranjinha

Lúcia Helena Fiúza (de Palmas-TO)

Opinião: Os internacionais e o pastel do Laranjinha
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Padre Clemente acordou na segunda-feira antes de o relógio da Matriz bater quatro e meia. Com seus dois metros e alguma coisa e seus cem quilos e muito mais alguma coisa, aquele alemão de cabelos brancos e uma perna maior que a outra rezou para a santinha que ficava em cima da cômoda, passou a mão na estola e em um cálice repleto de hóstias e foi para a Santa Casa de Caridade.

Saiu da Casa Paroquial e começou a descer a Rua Doutor Teixeira Soares imaginando como seria a vida em sua terra natal, uma nação devastada por duas guerras, dividida, mas que se reergueu, voltou a crescer e a dar educação e vida digna para seus cidadãos. Seguiu firme seu caminho, sua existência tinha como destino ir de quarto em quarto no hospital de um país difícil e complicado levando orações, conforto e comunhão aos enfermos. Fazia isso todos os dias, de segunda a segunda.

O dentista boliviano Gonçalo Ferrel Camacho levantou antes das cinco. No domingo, ele havia recebido o recado de que sua secretária estava com o pai doente e que não iria trabalhar. Foi até o quarto de sua filha Adriana e pediu para ela avisar sua esposa, a professora Maria Inês, que teria de ir mais cedo para colocar o equipo para esterelizar na autoclave. Passou no quarto do Lida, o Gonçalinho seu filho, e alertou para ele não perder a aula. Foi para o trabalho de carro ouvindo Sávia Andina, um grupo musical que lhe fazia chorar de saudades de sua terra natal.

O lituano Henrikas Cholodoviskis sempre acordou antes de o galo cantar, ainda mais na segunda. Fez o café para a esposa, a Dona Loló, e deu um jeito de não acordar os filhos Cláudio, Kaminsk, Riquinho, Rochele, Michele e Lídia. Em sua oficina de marcenaria que existia em uma garagem ao lado de sua residência, começou a trabalhar a madeira para fazer alguns bancos para a Capelinha Santo Antônio que a paróquia havia encomendado. Parou ao lado de uma lixadeira e ficou se lembrando de sua vida no Rio de Janeiro, onde tinha uma filha de seu primeiro casamento. Ligou o Semp de seis faixas tentando sintonizar pelas ondas média algumas estações européias. Sempre lhe interessou a história da União Soviética, que tinha a Lituânia como uma das 15 nações.

Manuel Moniz, o português educadíssimo esposo da Maria Inácia Antunes, saiu de casa lá pelas seis, seus filhos Francisquinho e Moísa já tinham levantado. Encontrou-se na pracinha atrás da igreja com o libanês Simon Semaan, esposo da Dona Terezinha Khouri. Seu Moniz iria para o Cartório acabar de preencher os livros para poder fornecer as certidões dos casamentos do sábado, e Simon, que veio do Líbano por questões religiosas, ele era católico, dar a sua passadinha na missa do padre Cirilo, um sacerdote que havia caído de um andaime e que por isso ainda rezava a missa em latim. Conversaram pouco, mas o suficiente para cada um encher a bola do país de onde veio.

Robert Paul Lazarchic, o Bob Lazarchic, era um norte americano casado com a professora Ana Maria Braga, filha do Doutor Afonso. Veio para intercâmbio e num instante estava já cheio de amigos. Enquanto muita gente procurava ir para os EUA para vencer na vida, ele resolveu ser campeão na Cidade das Areias Brancas. Naquela segunda-feira, ele estava em uma varanda que havia na casa do seu sogro, ao lado da Matriz, lendo um exemplar da revista "Seleções". Parou quando o italiano Giuliano Pieroni passou.

Giuliano foi um dos motivos de Bob se apaixonar por Formiga. Aquele americano grandão não dispensava um bom prato e o italiano simpático tinha a melhor e mais famosa fábrica de linguiça paio de Minas Gerais. Bob chegou a ter uma granja de suínos da Agroceres para fornecer matéria prima para a fábrica do italiano.

Eram quase sete horas quando Giuliano, que estava saindo da missa do Padre Cirilo, se encontrou com Bob. Cada um falou das saudades do progresso de suas nações de primeiro mundo, melhores que o Brasil, mas não se esqueceram das alegrias que lhes davam os filhos formiguenses. Bob era pai da Sandra e Giuliano, da Rosâgela, do Tatá, do Norberto, da Rossana e do Jordano.

Formiga foi acordando e lá pelas sete e meia, uma cena muito interessante que marcou meu pai, Seu Coló. Na esquina da Praça Getúlio Vargas com Rua Pio XII, estavam o alemão padre Clemente, o boliviano Gonçalo Ferrel, o lituano Henrikas Cholodoviskis, o português Manuel Moniz, o libanês Simon Semaan, o americano Bob Lazarchic e o italiano Giuliano Pieroni esperando, o Laranjinha, que era de Albertos, acabar de fritar seus pastéis de queijo e de carne.