Opinião: O pai da criança era devedor de pensão alimentícia quando faleceu

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: O pai da criança era devedor de pensão alimentícia quando faleceu
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Ela sempre quisera ser mãe. Então, mesmo sabendo que seu namorado já era pai de dois filhos oriundos de dois relacionamentos diferentes e que ele não queria, de modo algum, ter outro filho, ela não se preveniu e acabou engravidando. Foi movida pela ilusão de que a paixão que ele parecia devotar-lhe o faria mudar de ideia e aceitar novamente a paternidade.

Logo que recebeu a notícia, ele ficou transtornado. Revoltou-se, fazendo questão de ignorar o fato de que não era apenas dela a responsabilidade de se prevenir. 

Como ele trabalhava em outro estado, viajou em seguida, e ela não mais o viu. Sofreu demais sua ausência. Chorou noites a fio. Como consolo, tinha apenas o ser que crescia em seu vente, o filho que ela tanto queria ter.

Nove meses depois, nasceu um menino. Orientada por uma amiga, ela tentou localizar o pai da criança para lhe enviar fotos do bebê, mas ninguém da família dele lhe informava onde ele se encontrava.

O menino cresceu e chegou aos oito anos sem conhecer o pai. Este nunca mais a procurara nem quisera saber notícias da criança.

As perguntas do filho a respeito do pai passaram a ser recorrentes. Insistia em conhecê-lo. Pelo que ela havia sabido, ele se encontrava no Rio de Janeiro, trabalhando em uma empresa de engenharia. De posse do endereço dele, enviou-lhe uma carta com fotos do filho. Não obteve nenhuma resposta. 

Então, diante da insistência do filho, ela resolveu levá-lo até o pai. O fato de ela o ter procurado em seu ambiente de trabalho assustou-o. Pressionado pela situação, disse a ela que precisaria ser feito um exame de DNA, e que ele concordava em ir até um laboratório fazer isso.

Feito o exame, ficou comprovada a paternidade. Isso pouco adiantou. Nada mudou. Ele permaneceu desinteressado pelo filho. Nunca procurou saber nada dele, nem se dispôs a viajar para ver o menino. Também não prestava nenhuma assistência a ele.

Diante dessa indiferença, ela resolveu ajuizar uma ação de alimentos contra ele. Assim, se o menino não contava com nenhum apoio ou com a presença do pai, pelo menos contaria com alguma assistência material, que viria por meio da pensão alimentícia.

Foi bem-sucedida na ação. O pai do menino teve de assumir o pagamento de uma pensão alimentícia calculada em 20% sobre a renda mensal dele. Como ele ocupava um cargo importante na empresa em que trabalhava, o valor veio a contribuir para que as despesas do menino fossem cobertas.

Tudo pareceu resolvido por cerca de cinco meses, mas, após isso, ele começou a descumprir sua obrigação. Pagava em alguns meses; não pagava em outros, até que não pagou mais. Ela se deu conta de que não fora bem orientada pelo advogado que a defendeu na ação de alimentos, pois não requereu que a pensão fosse descontada diretamente da folha de pagamento dele pela empresa em que trabalhava. Isso evitaria passar pelo desconforto da cobrança.

Como não conseguiu fazê-lo assumir sua obrigação, o que vinha tentando há um ano, não teve alternativa a não ser ajuizar uma ação de execução de alimentos. Nessa ação, requereu que fosse enviado à empresa em que ele trabalhava um ofício para que esta passasse a descontar mensalmente, direto na folha de pagamento, o valor da pensão Conseguiu provar, por meio de extratos bancários, que ele realmente não vinha cumprindo a obrigação. O Juízo determinou o pagamento das prestações vencidas e das que venceriam até que se realizasse o pagamento.

Mesmo assim, ele não pagou, nem justificou o não pagamento, sendo determinada, então, a pedido dela, a penhora de bens dele (dinheiro, imóveis, veículos ou outros bens) que servissem ao pagamento do débito.

Estando isso em andamento, veio a notícia: ele falecera em um trágico acidente.

Agora, ela não sabe o que fazer. Pergunta-me se os familiares ou o espólio dele (espólio é todo o patrimônio deixado pelo falecido) têm obrigação de continuar pagando a pensão alimentícia ou, pelo menos, de pagar as pensões atrasadas.

Respondo-lhe que os familiares e o espólio dele não têm a obrigação de continuar pagando a pensão alimentícia, pois o falecimento do alimentante faz cessar a obrigação de prestar os alimentos. Essa é uma obrigação personalíssima, isto é, só pode ser cumprida pela pessoa a quem foi determinada. Se esta morreu, acabou a obrigação.

Entretanto, a dívida alimentar deixada em vida pelo falecido pode ser paga pelo espólio. Para isso, ela precisará habilitar esse débito no inventário. O espólio ficará no polo passivo, respondendo pela dívida alimentícia. Será extraído do espólio, para a quitação, o valor correspondente à dívida.

Ela suspira. Percebo alívio em sua fisionomia. Ao mesmo tempo, percebo cansaço. Mesmo após a morte do pai do menino, precisa lutar para fazer valer o direito da criança. Quando engravidou, não passou pela sua imaginação que vivenciaria isso.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com