Opinião: A viúva reivindicou direito de habitação sobre imóvel doado aos enteados

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: A viúva reivindicou direito de habitação sobre imóvel doado aos enteados
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Ficou viúvo aos trinta e nove anos. Cerca de três anos depois, casou-se novamente. Como era pai de dois filhos jovens, frutos do primeiro casamento – um deles é o que está conversando comigo –, teve o cuidado de, antes de se casar, doar-lhes a casa onde residira com a primeira esposa e na qual continuaria morando com a segunda e eles. Fez a doação com reserva de usufruto, de modo que o imóvel seria dos dois filhos, mas eles só poderiam vendê-lo depois que ele falecesse.

Seu segundo casamento foi duradouro. Quando faleceu, ele e a esposa tinham já celebrado suas bodas de prata. Foram vinte e cinco anos de vida tranquila a dois, a qual lhe trouxe mais dois filhos. Os que teve no primeiro casamento já se tinham casado e construído o próprio caminho. Os do segundo tinham acabado de se graduar na faculdade.

Ele pausa seu relato para tomar um pouco de água. Retoma sua fala e me conta que foi feito o inventário e que o imóvel doado foi informado como adiantamento de herança, para cálculo do quinhão que caberia a cada herdeiro. Nada foi questionado naquele momento. A partilha foi feita e com ela todos concordaram.

Soube há poucos dias que a viúva e os filhos dela, meios-irmãos dele, ajuizaram uma ação de direito real de habitação. Alegam que, como a casa em que vivem foi o único imóvel residencial deixado pelo falecido, a viúva tem direito de continuar habitando-o. De fato, os outros bens deixados pelo pai foram lotes, e não imóveis residenciais. Pergunta-me se a madrasta tem mesmo esse direito.

Explico-lhe que a lei garante ao cônjuge sobrevivente, no caso, à viúva, o direito real de habitação do imóvel destinado à residência da família, desde que ele seja o único a inventariar. Isso acontece seja qual for o regime de bens adotado no casamento.

Porém, de acordo com o que ele me contou, a partilha não foi questionada e o pai, antes de se casar pela segunda vez, doou o imóvel a eles, que eram os dois filhos do primeiro casamento. O direito real de habitação existe, sim, e, conforme o caso, pode ser exercido sobre o imóvel que pertencia ao cônjuge falecido.

A situação que me relatou tem particularidades que podem impossibilitar a aplicação desse direito: a partilha foi feita regularmente, sendo trazida ao inventário, para colação, a casa que lhes havia sido doada, portanto não houve sonegação do bem; todos concordaram com a distribuição das partes que cabiam a cada um; quando faleceu, o pai tinha apenas o usufruto do imóvel; a propriedade da casa passou a ser dele e do irmão quando esta lhes foi doada pelo pai e foi feito o registro desse ato.

A viúva e os filhos dela não podem desconsiderar isso nem concluir que podem continuar morando na casa sem a concordância dos dois, que são os legítimos proprietários. Após a morte do pai deles, o usufruto foi cancelado. Quem tem o direito de propriedade são os dois.

 “Acontece que minha madrasta e meus irmãos se recusam a deixar a casa. Depois que meu pai faleceu, demos um tempo para que se organizassem. Esperamos, por três anos, que se mudassem, mas não moveram uma palha. Foi exatamente o nosso pedido para que a deixassem que os levou a ajuizar a ação de direito real de habitação.” – ele me diz.

Digo-lhe que ele e o irmão precisam defender-se em Juízo. A madrasta dele ficou viúva não do proprietário da casa, mas, sim, do usufrutuário, e, nesse caso, também considerando que a partilha foi regular, não tem direito de habitação como cônjuge sobrevivente. O usufruto tem fim com a morte do usufrutuário. Logo, não se justifica que ela e os filhos permaneçam no imóvel.

Ele e o irmão poderão alegar que o imóvel já não integrava o patrimônio do pai quando ele faleceu. A um imóvel que pertence a terceiros não pode ser aplicado o direito real de habitação, se, no inventário e na partilha, tudo se fez como a lei determina. Eles são os terceiros a quem pertence a casa.  Como proprietários, podem dispor dela da forma como quiserem. Podem, inclusive, se julgarem conveniente, ser tolerantes, permitindo que a madrasta e os meios-irmãos morem lá.

Ele é categórico em afirmar que nem ele nem o irmão têm interesse em permitir isso, principalmente sabendo que ajuizaram uma ação contra os dois. Precisam vender o imóvel para, com o dinheiro, dar entrada na compra da casa própria de cada um. Não faz sentido pagarem aluguel, enquanto outros usufruem de um imóvel que é deles.

Acrescenta que não faltam condições à madrasta e aos meios-irmãos de adquirirem um imóvel para moradia, pois o quinhão que lhes coube na partilha possibilitará isso. O que não está certo é economizarem à custa dos dois. Diante desses argumentos, só posso concordar com ele.