Opinião: Buscando reconhecimento da paternidade socioafetiva

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Buscando reconhecimento da paternidade socioafetiva
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Quando ainda era bebê, sua mãe fora viver com o homem que viria a ser a única figura paterna que conheceu, tanto que o chamou de pai assim que aprendeu a falar. Os três viveram juntos dezoito anos de uma feliz convivência, apesar da ostensiva resistência demonstrada pela ex-esposa e pelos dois filhos biológicos dele.

Mesmo após a morte da mãe dele, ele e esse homem a quem chamava de pai mantiveram-se como uma família.

Infelizmente, poucos meses atrás, ele também faleceu. O sofrimento advindo dessa perda serviu para lhe mostrar a força do amor que os unia. Se não havia laços de sangue entre eles, era muito forte o vínculo afetivo. Por isso mesmo se viu como filho, a chorar a ausência dele. Chorou também não trazer, em seu registro de nascimento, o nome dessa pessoa que o apoiara desde os primeiros meses de vida.

Isso o fez pensar em lutar pelo reconhecimento da paternidade socioafetiva, que o pai comentara tantas vezes ser desejoso de formalizar, não o fazendo apenas para não criar mais atritos com a ex-esposa e os filhos biológicos. Agora, não havia motivos para não buscar essa formalização – o pai estava livre de sofrer dissabores com isso, pois descansava nos braços de Deus.

Ele me conta isso e diz que gostaria de que eu cuidasse dessa ação judicial para ele. Explico-lhe que, de fato, é possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem (após a morte), desde que se consiga provar o vínculo afetivo.

Pediremos isso, em Juízo, assim como reivindicaremos os direitos que virão desse reconhecimento da filiação. Ele me olha interrogativamente, e eu lhe explico que, ao ser reconhecido como filho, concorrerá à herança do pai, juntamente com os filhos biológicos dele.

Percebo que fica incomodado com isso. Provavelmente teme que o julguem, que pensem que ele busca o reconhecimento da paternidade por simples interesse financeiro.

Antecipo-me para cortar seu pensamento e lhe digo que, se seu desejo é ser formalmente reconhecido como filho, isso é o que importa. O que ele fará com o que couber em uma partilha de herança poderá ser resolvido depois, caso ele opte por não ficar com sua cota-parte. Porém, lembro a ele que já não conta mais com a ajuda financeira do pai. Na ausência dele, precisará de recursos financeiros para dar continuidade aos seus estudos. Então, não há nada de errado em ele usufruir dos direitos que lhe caberão caso venha a ser reconhecido como filho.

Ele me fala que não usufruirá da herança, porque não há mais o que fazer quanto a isso. O inventário já foi finalizado e já foi feita a partilha dos bens entre os filhos biológicos. Explico que, comprovada sua condição de filho afetivo, poderemos requerer a anulação dessa partilha, de modo que seja incluído na relação dos herdeiros.

É claro que os filhos do falecido negarão, em Juízo, essa paternidade socioafetiva e certamente seu mais forte argumento será o fato de que este, em vida, não formalizou isso, nem quis adotá-lo. Ele me diz que será assim mesmo, pois fazem questão de afirmar a quantos queiram que nada havia de especial na atenção que devotava a ele, pois o pai sempre tratou a todos de forma carinhosa; que era um homem generoso, por isso o auxiliava financeiramente.

De nossa parte, teremos de comprovar a existência dessa paternidade. Teremos de levantar provas de que ele era tratado pelo falecido como filho, de que havia conhecimento público dessa condição e de que existia um vínculo afetivo entre os dois. Poderemos usar fotos de celebração de aniversário e de viagens em família, mensagens de celular, cartões, bilhetes afetuosos, testemunhas que atestem o apoio emocional e financeiro que o pai sempre lhe prestou, bem como a participação dele em reuniões escolares, recibos de pagamentos de despesas, entre outras provas. Tudo isso servirá para demonstrar a relação paterno-filial.

Para contrapor a tese de que o pai nunca quis esse reconhecimento, precisaremos identificar testemunhas que confirmem que ele sofria pressão por parte da primeira família para que não o formalizasse. Ficando comprovados robustamente o vínculo socioafetivo entre os dois, o tratamento mútuo, em público, como pai e filho, será declarada a paternidade. A Justiça reconhecerá, mais uma vez, que o amor e o afeto também são geradores de pais/mães e filhos/filhas. Não apenas os laços sanguíneos os geram.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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