Opinião: Parece que a irmã idosa foi influenciada a fazer um testamento

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Parece que a irmã idosa foi influenciada a fazer um testamento
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




É uma senhora de setenta e cinco anos, embora pareça ter mais que isso. Está triste – percebe-se à primeira vista. Ela me conta que sua irmã mais velha, em cuja casa ela residia, faleceu. Era a única irmã viva que tinha, por isso sente tanto a sua partida. Procurou-me porque precisa de uma orientação.

Relata que, quando se iniciou o procedimento do inventário, foi feita uma pesquisa no sistema nacional de cadastro de testamentos, a qual revelou um testamento deixado pela falecida. Foi uma surpresa. Surpreendeu mais ainda o fato de que a irmã destinara todos os bens a uma inquilina.

Estranhou aquilo, pois ela e a irmã se davam bem, não havendo nenhum motivo para lhe ter ocultado essa informação e para a ter excluído totalmente do testamento. Tinha conhecimento de que a inquilina morava nos fundos da casa da irmã falecida e de que a visitava regularmente, principalmente depois que esta tivera a perna amputada, auxiliando-a em tarefas, como fazer compras e ir ao banco pagar contas.

Peço que me fale sobre o estado de saúde da irmã à época em que fez o testamento. Diz que esta sofria de depressão e já revelava certa demência. Era internada com frequência devido ao estado de saúde mental fragilizado. Devido a uma crise de insuficiência cardíaca e às suas perturbações psíquicas, chegara a se internar por trinta dias em uma clínica de repouso para idosos. Alguns dias após ter alta dessa internação é que o testamento fora lavrado.

Comenta que acha estranho o fato de a irmã ter feito esse testamento no cartório da cidade vizinha, pois não precisava esconder isso de ninguém. Ela podia fazer o que quisesse com seus bens; não precisava ter feito o testamento em outra cidade nem ter ocultado que o fizera em favor da inquilina.

Todos esses detalhes a têm feito pensar que a irmã talvez tenha sido induzida a fazer o testamento. Fica muito triste em pensar que ela talvez tenha sido vítima de uma aproveitadora, que se aproximou dela e conquistou intimidade apenas para obter algum benefício.

Digo-lhe que essa probabilidade existe. Não é incomum pessoas mal-intencionadas se aproximarem de um idoso, construírem uma relação de amizade com ele, fazerem-se presentes e até, com comentários, fragilizar a relação entre ele e os familiares. Dessa forma, procuram fazer-se indispensáveis, a ponto de, aos poucos, irem exercendo influência sobre ele. O próximo passo são conversas sobre a melhor destinação de bens que acaso ele possua.

Ela me pergunta se deve questionar a validade do testamento feito pela irmã. Vem ao meu pensamento que, se respondo que “deve”, tomo uma decisão em seu lugar. Poder questionar ela pode; se deve, é ela quem deverá decidir. O que posso fazer é compartilhar com ela o que a lei diz a respeito das condições de validade desse documento.

O Código Civil é claro quanto ao fato de que pessoas sem pleno discernimento não podem testar. Pelo que ela me relatou, a irmã não estava em seu juízo pleno e perfeito para fazer um testamento. Se tiver meios de provar que, quando fez o testamento, a irmã tinha alguma limitação psíquica, poderá ajuizar uma ação para anular o testamento. Conseguirá a anulação, se provar que houve um vício da vontade, devido ao fato de a irmã não estar bem de saúde e estar psiquicamente fragilizada, sendo influenciada pela inquilina beneficiária.

Quanto às questões formais de lavratura do documento, estas também deverão ser averiguadas. Como se trata de testamento público, será preciso ficar comprovado que foi escrito por um tabelião, de acordo com as declarações da irmã; que foi lido em voz alta a duas testemunhas ao mesmo tempo; que, depois dessa leitura, foi assinado pela irmã, pelas testemunhas e pelo tabelião.

Ela me pergunta que prazo tem para questionar a validade do testamento. Explico que, se a alegação for a falta de discernimento da irmã, o prazo para impugná-lo, isto é, contestá-lo, é de cinco anos, contados a partir da data do seu registro.

Se decidir ajuizar a ação, deverá trazer-me laudos médicos relativos à saúde da irmã à época da lavratura do testamento, registros de internação, bem como indicar testemunhas que possam confirmar os fatos que alegaremos. Será preciso ficar claro que ela não tinha capacidade mental para testar e que foi vítima de manipulação. Como já se disse em decisões judiciais que tratam desse tema, “para que a pessoa possa testar não basta que esteja aparentemente lúcida ou orientada no tempo e no espaço, mas que esteja com plena capacidade de deliberar acerca do que seu patrimônio, livre de influências”.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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