Opinião: É vítima de perseguição pelo ex-namorado

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: É vítima de perseguição pelo ex-namorado
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Logo que ela começa a falar, as lágrimas apontam em seus olhos. Percebo que procura controlar-se, mas não consegue. Chora convulsivamente diante de mim, e o que posso fazer é apenas oferecer-lhe um copo de água e lenços de papel. Em meio ao choro, ela me pede desculpas, procurando recompor-se, mas as lágrimas insistem em se tornar rio.

Quando se acalma, conta-me tudo. Entendo, então, por que está sofrendo.

Ela namorou, por quatro anos, um dos mais bem-sucedidos comerciantes da cidade. Embora jovem, o espírito empreendedor dele o fez alcançar sucesso rápido nos negócios. Isso, associado à própria índole, fizeram emergir nele uma pessoa prepotente e autoritária. Embora ela quisesse muito que seu namoro desse certo e rumassem em direção ao casamento, deu-se conta, após passar por várias situações em que ele a humilhou diante de outras pessoas, de que estava com um homem contraindicado para uma feliz vida a dois.

Por isso, decidiu terminar o namoro. Ele quase surtou. Não admitia, de modo algum, que alguém o deixasse. Com seu ego inflado pela exitosa trajetória profissional, achava-se um excelente partido, principalmente para alguém igual a ela, nascida em família pobre. Se tinha alguma dúvida acerca da decisão que estava tomando, passou a ter certeza quando o ouviu dizer: “Veja bem o que você está fazendo; você não encontrará ninguém melhor que eu.” Sentiu seu coração aliviado quando o viu partir com seu carro esportivo último modelo,

os pneus cantando pela rua calçada.

No entanto, desde então, perdeu o sossego. Ele, na manhã seguinte ao término, postou nas redes sociais uma série de memes, fazendo alusão ao término do namoro e desqualificando-a. Um dos memes foi montado com uma foto dele, bonito e vestido elegantemente, acima da qual se lia a frase: Sem ela, eu fico assim.”, ao lado de outra imagem que mostrava um sujeito maltrapilho e muito feio, e as frases: “Com ela, fico assim. Tô fora.”

Como começa a chorar novamente, ela, em lugar de falar, resolve-me mostrar os prints que fez das publicações dele, alusivas a ela. Passa-me o celular. Deparo com outros memes postados nas redes sociais e mensagens em tom depreciativo que ele lhe enviou pelo WhatsApp. Consigo captar seu tom de fúria contra ela.

Ela me relata que perdeu a paz, pois ele aparece em todos os lugares aonde ela vai, junta-se a amigos e fica fazendo piadinhas, apontando para ela e gargalhando. Constrangida e sentindo-se acuada, não consegue permanecer no lugar. Quando se aproxima dela, aflige-a com sua insistência em retomar o relacionamento. Ao ouvir outro não, impacienta-se e a ameaça, querendo impedir que venha a namorar outra pessoa.

Não bastasse isso, ele começou a cercear suas oportunidades de trabalho. Ela estava prestes a ser contratada como gerente de uma empresa de cosméticos, quando seu processo de seleção foi interrompido. Soube, depois, que o ex-namorado havia procurado pessoalmente o dono da empresa para dissuadi-lo de contratá-la.

Vê-se em um beco sem saída. Sentimentos de insegurança e intranquilidade tomaram conta dela. Sob pressão e opressão – é assim que se sente. Está conversando comigo para ver se há uma forma de fazê-lo cessar essa perseguição.

Digo-lhe que, pelo que me relatou, é vítima de um fenômeno conhecido como stalking. Esse termo origina-se do verbo stalk, da língua inglesa, que remete ao sentido de perseguir obsessivamente alguém. Trata-se de um tipo de violência praticado contra uma pessoa, invadindo sua privacidade, constrangendo-a por diferentes meios: mensagens, ligações telefônicas persistentes, disseminação de boatos para abalar sua reputação, presença reiterada nos mesmos ambientes. Muitas vezes, a vítima se sente tão pressionada que deixa de frequentar lugares aonde gostaria de ir.  

As postagens nas redes sociais, as mensagens e as piadinhas em público violaram um direito personalíssimo fundamental dela, que é o direito à honra e à dignidade.  Ao desqualificá-la, dificultando sua contratação, arruinou uma potencial relação profissional.

Suas atitudes perversas e a pressão psicológica que está exercendo sobre ela, assim como as ameaças são motivo para que ela requeira, se assim quiser, uma medida protetiva. Com essa medida, ele ficará impedido de se aproximar dela, de manter contato com ela e de frequentar os mesmos ambientes onde ela estiver.

Ela poderá, também, ajuizar contra ele uma ação de indenização por danos morais.  A ofensa à sua honra, imagem e dignidade, o intenso constrangimento a que ele a expôs, as falas opressoras abalaram-na emocional e psicologicamente.  Se tiver como provar algum dano material advindo da perda da oportunidade de ser contratada ou outro, essa indenização também poderá ser requerida. E ainda: pode requerer que ele seja obrigado a publicar nas redes sociais uma retratação, na qual ele reconheça o seu erro e se desculpe publicamente sobre o que disse a respeito dela.

Não deve ficar impune aquele que viola o direito à honra ou persegue uma pessoa, tirando-lhe a paz.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com