Opinião: Recebe pensão por morte do pai; agora, quer outra pela morte da mãe

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Recebe pensão por morte do pai; agora, quer outra pela morte da mãe
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Conheci a mãe dele há alguns anos, quando acompanhei uma amiga que a visitou. Lembro-me que fomos levadas ao quarto de um dos filhos dessa senhora. A cama parecia um berço gigante, cercada por grades protetoras. Dentro daquele ninho, encontrava-se um rapaz cuja aparência e trejeitos indicavam tratar-se de uma pessoa com deficiência física e deficiência mental. As mãos meio tortas se agitavam no ar, enquanto do canto do seu lábio esquerdo escorria saliva.

De modo solícito e carinhoso, a mãe se dirigiu ao filho, limpou cuidadosamente sua boca, ajeitou-o na cama e apresentou-nos a ele. Ele olhou para nós, sem dar sinal de que estava entendendo o que ela lhe dizia. Ela nos contou que, quando ele nasceu, o médico previu que viveria no máximo cinco anos. Com quinze vinte anos, ali, diante de nós, ele era prova de que algo maior se superpõe às previsões médicas... talvez o cuidado materno, talvez a missão a cumprir naquela família... quem pode dizer com certeza?

Foi possível perceber, durante aquela rápida visita, a dedicação daquela senhora ao filho.

Quando saímos do quarto, minha amiga perguntou pelo outro filho dela. Ela estava bem interessada nesse rapaz que a levara, certa noite, para apreciar a lua cheia em um local que ele chamava de “jardins suspensos da babilônia formiguense” – o alto do bairro Rosário. Em que pese a proximidade com o cemitério, ali, de fato, é um dos lugares que melhor vista oferece da lua. Infelizmente, o alvo do interesse de minha amiga não estava, por isso logo saímos.

Agora, tanto tempo depois, é justamente esse rapaz (já com seus quarenta anos) que se encontra diante de mim. Olho-o e me dou conta de que o tempo passou mesmo. A imagem de minha amiga perpassa minha mente e traz calor ao meu coração – ela foi ver a lua lá da babilônia de Deus.

Volto à realidade, quando o ouço contar o que o fez vir a mim. Ele me relata que sua mãe faleceu há cerca de dois meses. Quer saber se é possível requerer pensão por morte da mãe para o irmão, que é absolutamente incapaz. Diz estar em dúvida porque este já recebe, desde 2017, a pensão por morte do pai.

Ouço-o, enquanto minha mente acelerada trabalha. “Então, aquele rapaz que, quando conheci, tinha quinze anos, continua vivo! A mãe tinha razão: ele desafia os prognósticos médicos. Não deve estar entendendo por que, de repente, aquela senhorinha bondosa já não cuida dele. Tomara que esse seu irmão tenha sensibilidade para ajudá-lo.”

Pergunto se o irmão tem alguma fonte independente de recursos ou, de alguma forma, rendimentos suficientes para sobreviver. Ele me responde que tem apenas o benefício da pensão por morte do pai.

 Explico-lhe que, para o benefício de pensão por morte ser concedido, é necessário apresentar a certidão de óbito, comprovar que a falecida estava na condição de segurada do INSS e que deixou dependentes. Apesar de o irmão dele ser maior de 21 anos, é, como pessoa absolutamente incapaz, ou seja, inválida (e, pelo que sei, ele o é desde seu nascimento), considerado dependente. Sua incapacidade pode ser comprovada por meio de um laudo pericial médico. Sendo inválido, é presumida sua condição de dependente. Isso significa que não é preciso apresentar provas de sua dependência econômica. Nessa condição, entende-se ser essencial a concessão do benefício para sua sobrevivência.

O fato de ele já receber o benefício da pensão por morte do pai não é obstáculo para que receba outra, advinda do falecimento da mãe. Não há nenhum preceito legal que impeça a cumulação de duas pensões, em um caso como o do irmão dele, que é inválido e sempre dependeu economicamente dos pais para sobreviver.

Pergunto-lhe se ele já está constituído como curador do irmão. Ele me diz que sim. Oriento-o a requerer logo o benefício ao INSS. Como o irmão é incapaz para os atos da vida civil, o pagamento da pensão por morte se dará desde a data do óbito da mãe. Se não fosse inválido nem fosse menor de 16 anos, teria de, para receber desde essa data, requerer o benefício no máximo até 90 dias após a data da morte.

Somente quando está prestes a se despedir, conto-lhe sobre a visita que, anos antes, minha amiga e eu fizemos à mãe dele. Ressalto o quanto foram marcantes o carinho e o cuidado dela com o filho preso ao leito. Faço isso para lembrá-lo de que, agora, é ele quem ofertará isso ao irmão. Será sua responsabilidade administrar os recursos advindos das duas pensões por morte, prestando assistência e visando sempre ao bem-estar dele. O dinheiro ajudará na solução de demandas materiais, mas só o amor ocupará o espaço vazio deixado pela mãe.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com