Opinião: Percentual de salário pode ser penhorado para quitar dívidas

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Percentual de salário pode ser penhorado para quitar dívidas
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Estamos sentadas em torno da mesa de um bar, colocando a conversa em dia. Faz tanto tempo que não nos encontramos! Nós quatro somos amigas há muito tempo. Acompanhamos a juventude umas das outras e a trajetória profissional de cada uma. Participamos da alegria dos encontros e das conquistas, das lágrimas das perdas, das dúvidas e ansiedades provenientes dos nossos relacionamentos nas diferentes esferas da vida... Uma sempre está pronta a estender a mão à outra e, mesmo que não nos encontremos com frequência, é como se não houvesse nunca qualquer interrupção nas nossas conversas.

Assunto vai, assunto vem, e uma delas me diz que quer tirar uma dúvida sobre uma situação que o irmão está vivenciando. Minhas duas outras amigas dizem logo, enfaticamente: “Ah, não!... Lá vem assunto de advogado! De jeito nenhum! Agora não!”, Caímos na risada. Estão certas:  temos tanto a contar sobre nossa vida!

É claro que, ao final do nosso encontro, peço à minha amiga que me conte o que está havendo com o irmão.

Ela me diz que sempre ouvira dizer que o salário de um devedor não pode ser penhorado para quitação de dívidas, porque se trata de uma verba necessária ao sustento da família. No entanto, seu irmão está enfrentando um processo de execução, no qual foi requerida a penhora de 30% do salário dele até completar a total quitação da dívida.

Explico a ela que, de fato, está previsto legalmente que são impenhoráveis salários e remunerações que se destinam ao sustento da família. Porém, os Tribunais têm decidido que se pode penhorar verba salarial se ficar evidenciado que essa penhora não prejudicará a subsistência do devedor nem de sua família. Se o percentual a ser retirado do salário servir para cumprimento da obrigação de quitar o débito, sem colocar em risco a sobrevivência do devedor, preservando seu mínimo existencial e sua dignidade, a penhora poderá ser determinada, sim.  O simples fato de o valor penhorado advir do salário não a impede, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

“Então, não há nada que ele possa fazer? ” – ela pergunta. Sim, é claro que há. O irmão poderá defender-se da penhora, comprovando que ela irá causar-lhe prejuízos a ponto de colocar em risco a sua subsistência. Poderá alegar que corre o risco de se endividar novamente, fazendo empréstimos, para conseguir honrar os compromissos que o percentual penhorado servia para pagar. Alternativamente, poderá requerer a redução do percentual estabelecido.

“Difícil será ele provar que o percentual de 30% afetará sua sobrevivência. ” – ela retruca, contando-me que ele tem um ótimo salário.

Então, não me contenho e pergunto por que ele não honra seu compromisso e não paga o que deve, ou por que não fez logo uma proposta de pagamento parcelado. Ela explica que foi uma questão de eleger prioridades. O irmão optou por quitar outras dívidas assumidas. O fato é que ele sempre foi descontrolado na gestão de dinheiro, mas não esperava que pudessem penhorar um percentual de seu salário.

“Um dia, a casa cai.” – o ditado popular salta da nossa boca ao mesmo tempo. Rimos devido ao pensamento em comum. Mas voltamos imediatamente à seriedade do que o comportamento do irmão revela: o descontrole quanto às finanças. Falamos sobre a necessidade de que esse controle seja ensinado desde a infância. As autoridades escolares já estão entendendo a relevância de incluir no currículo o tema da educação financeira. É muito importante aprender a utilizar bem o dinheiro, a ter uma reserva para enfrentar imprevistos e a não cair no endividamento.

Uma de minhas amigas, culta como só ela sabe ser, diz que talvez se deva ensinar o que Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos, que fez parte do grupo que redigiu a Declaração da Independência desse país, sabiamente recomendou: “Jamais gaste seu dinheiro antes de você possuí-lo.”

A frase ecoa dentro de nós. Nós nos entreolhamos e, apesar de sério o assunto, gargalhamos: está aí um conselho que vale para nós mesmas.

Chega a hora da despedida. Novo encontro só no final do ano. Sem dívidas, é o que esperamos.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com