Opinião: Foi generosa com a irmã, mas está pagando caro por isso
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)
Ela sempre trabalhara muito e conseguira construir um pequeno patrimônio que lhe permitia viver de modo razoavelmente confortável. Solteira, vivia bem no alto dos seus sessenta e seis anos, apesar de ter uma deficiência grave em um dos olhos. Seu círculo de amigos era muito bom. Recebia-os com frequência em casa para conversas, jogos de baralho, e com eles fazia pequenas viagens.
Sensível às necessidades da família, nunca negara ajuda a nenhum de seus parentes. Por isso, quando a irmã caçula perdeu o emprego e ficou em uma situação financeira difícil, não teve dúvidas em acolhê-la na própria casa. Essa irmã tinha um filho adulto e já casado, mas, como a convivência com a nora não era boa, viver com o casal não era uma opção para ela.
Acolheu a irmã, considerando que seria bom para as duas morarem juntas, pois seriam companhia uma para a outra. Pensou também que poderiam cuidar-se mutuamente. Logo veio a descobrir que não seria assim.
Acostumada a viver em um ambiente tranquilo e a ter relações cordiais, viu-se, repentinamente, tratada de modo grosseiro e impaciente. A irmã, talvez por revolta com o término do casamento, descontava nela sua frustração. Fria, agia com descaso, sem qualquer gesto de gratidão ou generosidade. Não fazia questão alguma de ocultar isso, mesmo diante de visitas.
Receber os amigos passou a ser constrangedor, pois a irmã tratava-os como um estorvo, agindo de forma rude com eles. Se o filho a ia visitar, a conversa terminava em briga, e nenhum dos dois fazia questão de evitar gritos e ofensas, envergonhando-a diante dos vizinhos. “Barraqueira” – essa foi a característica que descobriu na irmã.
Tentar conversar com a irmã sobre esses fatos que a estavam incomodando e constrangendo só piorou as coisas. A partir daí, o menosprezo e o desrespeito se acentuaram. A irmã a depreciava, gritava com ela e passou a exercer domínio como se a casa fosse dela. Perdeu a paz no próprio lar e viu sua saúde deteriorar. Sua pressão arterial, que sempre fora baixa, passou a ter picos repentinos de alta, gerando tonturas e dor de cabeça.
O desrespeito se agravou a ponto de a irmã passar a chamá-la apenas por cegueta, e não mais pelo nome. Tentou fazê-la cair em si e perceber que a situação estava ficando insustentável. Expressou sua tristeza quanto ao tratamento que estava recebendo dentro da própria casa, mas ela não admitiu seus erros, nem pediu desculpas por nada. Disse que era exagero dela, que ela era sensível demais, ficava magoada devido a qualquer coisinha.
Depois dessa conversa, tudo continuou como antes, por isso pediu à irmã que deixasse a casa. Esta disse que não sairia de jeito nenhum e começou a ameaçá-la. Chegou, nessa ocasião, a erguer a mão em sua direção, quase a agredindo fisicamente. Isso a fez registrar um boletim de ocorrência. Arrependeu-se dessa iniciativa, pois passou a sentir mais medo ainda da irmã.
Não, não há mais jeito de ficarem sob o mesmo teto. No entanto, não sabe como obrigá-la a deixar a casa. Arrastá-la não pode. Ao mesmo tempo, não quer denunciá-la, com amparo no Estatuto do Idoso, pelos abusos que tem praticado. Alguns amigos já lhe sugeriram essa medida, mas quer evitar responsabilizar criminalmente a irmã.
Digo-lhe que, de fato, o Estatuto do Idoso a protege, dando condições de que seja punido todo aquele que praticar contra ela qualquer tipo de violência, crueldade ou opressão.
Um caminho possível para fazer a irmã sair da casa é ajuizar contra ela uma ação cautelar de afastamento do lar. É uma medida drástica, sem dúvida, mas, pelo que me relatou, não há outra alternativa.
Para isso, precisará apresentar provas de que é a dona do imóvel onde as duas residem, bem como de que está sendo maltratada pela irmã. O boletim de ocorrência será uma das evidências apresentadas. Deverá demonstrar que o comportamento agressivo dela e as agressões verbais que pratica colocam em risco sua integridade física, sua saúde psíquica e emocional, tirando sua paz de espírito. É pessoa idosa e vulnerável, com deficiência visual. Está sendo privada, dentro do próprio lar, do seu bem-estar, o que viola seus direitos. O Juízo, sendo convencido dessa necessidade de afastamento da irmã, determinará a retirada desta do imóvel.
Ao final de nossa conversa, diz que está profundamente triste por se ver obrigada a mover uma ação judicial contra a irmã, único caminho que está encontrando para se livrar do inferno em que se transformou sua boa intenção. Entristece-a, mais ainda, a ingratidão dela. Digo-lhe que a irmã é uma infeliz. Como bem disse o escritor francês Victor Hugo dos idos de 1800: “Os infelizes são ingratos; isso faz parte da infelicidade deles.”