Opinião: O irmão requereu pensão alimentícia aos outros irmãos

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: O irmão requereu pensão alimentícia aos outros irmãos
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




São oito irmãos. Cresceram em meio a muitas dificuldades. O pai mantinha casos extraconjugais, conhecidos de toda a vizinhança. Sempre havia um inconveniente a fazer piadas com eles, o que os constrangia muito. A mãe, uma mulher rigorosa que não titubeava em pegá-los pela orelha diante de qualquer um, vivia de mal com a vida. A comida regrada pela baixa renda, as roupas e calçados que nunca chegavam para os oito, o rigor excessivo são marcas traumáticas da infância deles.

Sete deles aprenderam que, se quisessem alterar a rota da vida, teriam de estudar e trabalhar. Tão logo chegaram à adolescência buscaram algum trabalho, mesmo que informal, para ajudar em casa. Assim, foram construindo seu próprio caminho e alcançando autonomia e independência financeira.

Talvez por já contar com a contribuição financeira trazida pelos irmãos mais velhos, o caçula não cresceu com o espírito forjado nas agruras do cotidiano. Passou a encarar o que recebia como algo que lhe era devido. Se os irmãos haviam conseguido êxito na vida, tinham a obrigação, aos olhos dele, de o ajudarem. Vivendo com os pais, nunca conseguira manter-se em um emprego.

Os pais faleceram quando ele tinha trinta e cinco anos. Como não tinham casa própria nem outros bens, ele se viu sem lugar onde morar. Os irmãos se condoeram da situação dele e passaram a dar-lhe uma cesta básica e ajuda financeira para pagar o aluguel. Conseguiram-lhe trabalho, mas ele não conseguia parar em nenhum emprego. Começava, esperava completar o tempo para ter direito ao seguro-desemprego e aí começava a aprontar, até ser demitido.

Aos poucos, os irmãos foram percebendo que o caçula se tornara um ser humano acomodado, um aproveitador. Como estratégia para que ele aprendesse a se virar sozinho e a valorizar o trabalho, decidiram não mais ajudá-lo financeiramente.

A tática não funcionou. O caçula passou a viver de bicos e logo não conseguiu mais pagar o aluguel da casinha onde morava. Foi morar em um barracão de um cômodo só.

Os anos foram passando e hoje ele já tem sessenta e cinco anos. Vive à míngua. Ostenta sua miserabilidade, afrontando os irmãos. Sempre fez questão de contar a qualquer um que eles tinham boa condição financeira, mas eram egoístas, que o abandonaram e o deixavam passar fome.

“Alguém acreditou nessa história” – é o que o irmão mais velho me diz. Relata-me o caso porque ele e os outros seis irmãos estão sendo processados pelo caçula, que requereu judicialmente que eles lhe dessem uma pensão alimentícia. Ironiza, dizendo que alguém se revoltou com o fato de o “bondoso velhinho” não ter ajuda da família.

Quer saber se o irmão pode mesmo requerer essa pensão.

Digo-lhe que, se o caçula não tem pais vivos nem filhos que o possam ajudar e não está conseguindo suprir suas necessidades vitais, pode, sim, requerer pensão alimentícia aos colaterais de segundo grau, que são os irmãos. Trata-se de um dever que têm os pais em relação aos filhos e vice-versa, assim como os maridos/companheiros em relação às suas esposas/companheiras e vice-versa, e os irmãos entre si.

Se o caçula está enfrentando dificuldades e vivendo na miséria, será reconhecida judicialmente sua necessidade. Ficando comprovado, ao mesmo tempo, que os irmãos de quem se requer a pensão alimentícia têm capacidade financeira para assumi-la, provavelmente o Juízo determinará que isso seja feito. O binômio necessidade/possibilidade, observado nesses casos, terá sido atendido. A pensão será fixada na proporção das necessidades de quem a requer e dos recursos das pessoas de quem é requerida.

Pergunto se sabe que montante o irmão requereu como pensão. Diz que ele está pedindo 25% (vinte e cinco por cento) sobre o salário-mínimo para cada um deles.

Pergunto se os rendimentos dele e dos seis irmãos possibilitam arcar com essa obrigação. Responde que sim, mas não gostariam de fazê-lo, principalmente considerando o histórico de ajuda infrutífera ao irmão e o descaramento dele em processá-los.

Explico-lhe que, apesar de toda a ajuda que ele e os outros irmãos sempre prestaram e das suas ofertas de emprego nunca valorizadas pelo caçula, o que o Juízo certamente levará em conta é o princípio da dignidade humana. O irmão caçula é idoso e, pelo que foi dito, está vivendo em condições de pobreza extrema. A situação é grave.  Se não for fixada a pensão, haverá riscos à saúde e sobrevivência dele.

Caso queiram, ele e os irmãos poderão elaborar a defesa baseando-se no que ele me relatou sobre as atitudes de aproveitador do caçula, que só queria vantagens, nunca obrigações. Podem alegar isso e negar-se a prestar os alimentos. Contudo, em lugar de se negar a prestar os alimentos, quem sabe requerem uma redução do percentual pedido? Como são sete pessoas a contribuir, o irmão não ficará desvalido, mesmo que ocorra a redução.

A ingratidão e o rancor não serão parâmetros para a decisão do Juízo. O que será observado é o princípio da dignidade humana. O irmão, apesar de tudo quanto fez, ou melhor, não fez, tem direito a viver com dignidade.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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