Opinião: Tapera do Vô

Robledo Carlos (de Divinópolis)

Opinião: Tapera do Vô
Robledo Carlos é representante comercial




Eu já morei aqui.

Debaixo dessas telhas eu sonhei, em parte, via a lua e as estrelas que queriam participar.

Vi por aqui a água da chuva passar e cair sobre as flores da mesa, deixando exposto o barro pelo chão.

Nessas paredes cravadas de pregos de retratos do povo meu, tem santo pra todo mundo, tem até a Santa Ceia e um cantor preferido meu.

Tem manchas de mãos de crianças nas paredes e contas de carvão na cozinha.

Lamparina e querosene no estaleiro, folhinha Mariana atrás da porta e imagem esfumaçada de São Benedito. Espingarda de dois canos com sabuco na ponta pra marimbondo num fazer casa, pra caçar inhambu, perdiz e até cutia, se aparecer.

No portal da sala, chicote de rabo de tatu dependurado no arreio, um pelego que é pura lã de carneiro.

Um chapéu de lebre pra ir na cidade e um de mais idade, pro sol e pro sereno.

Ariadas estão as panelas, nem zinabre o tacho tem, tampada de sabuco a garrafa de café da lida das manhãs em tarefas.

Cascas de laranjas defumadas em pau, que serve de esteio sobre o fogão com linguiça e carne seca.

Um velho coador no mancebo, de pano limpo de flanela, um bule verde esmaltado bem no rabo do fogão.

Velho rádio na cristaleira forrada de papel de pão com pilhas novas guardadas e antena de arame em extensão.

Um canivete Corneta e fumo de rolo, pronto pra um cigarro picá, com molho de palha que busquei no paiol.

Algumas varas de pesca na varanda de fundo da casa, um giral de pratos, coités e colher de ferro.

Dois pares de gomeira na porta da cozinha, perto da foice de lida com cabo polido de mãos rudes.

Um regador sem alça perto da pedra de peixeira amolar.

Lá fora, fica um imenso jequitibá que dá sombra para o lombo dos animais e a casa refrescar.

Um cocho velho de pequi, liso de lambidas, onde o sal era o manjar.

Tem dias que têm arco-íris, quando assim vem trovões ao longe avisar.

Traz ventinho de chuva e enxurrada vai formar.

A noite tem vagalumes misturados com estrelas cadentes.

Agora é o vento que entra casa adentro, invade de triste pela janela, ainda cantam os sabiás, anunciam ainda o João-de-barro que pergunta, tristonho, onde o povo da casa está.

Ela tenta responder e, às vezes, parece gritar, mas o silêncio de crianças a ela faz chorar.

Em abraço mortal do tempo, sem quem possa cuidar, onde tantos sonhos nasceram, tem o velho jequitibá abraçado ao cipó parasita, esperando a morte chegar.