Crônica: Boletins Cadastrais

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: Boletins Cadastrais
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Bom dia, prefeitão!

Era assim que o radialista Landico, da “Difusora/AM”, acordava o ex-prefeito Ninico todas as manhãs.

__Eu sou amigo do homem!! Não mexe comigo não!, ameaçava.

Naquela época, existia em Formiga apenas uma emissora e, realmente, quem tinha o microfone na mão tinha irrestritos poderes (nem é preciso lembrar que Jaime Mendonça chegou a prefeito pelas ondas da “latinha”).

Coincidentemente, Landico também era servidor municipal. Na Prefeitura, era o primeiro abaixo do rei. Todo mundo queria trabalhar com ele, porque onde o locutor estava era limpeza.

No tempo em que Landico trabalhava no Departamento de Obras, houve uma denúncia feita ao prefeito. É que funcionários estavam reclamando de que o locutor não teria funções específicas no Poder Executivo e que isso estaria “pegando muito mal”.

Foi então que o chefe do departamento, Amri Diniz, chamou o chefe de seção, Múcio Pereira da Costa, e determinou:

__Não deixe o Landico à toa não. Arrume alguma coisa para ele fazer.

E a determinação foi cumprida.

Como não havia computadores, a fiscalização de construções era baseada em antigos Boletins Cadastrais (BC). Cada BC era uma folha de papel ofício, onde o funcionário preenchia lacunas com todas as informações possíveis sobre o imóvel: metragem quadrada, nome do dono e endereço.

Com o tempo, algumas propriedades mudavam de donos, algumas ruas mudavam de nome e casas passavam por reformas, havendo alteração na área construída. O tal BC virava uma zona, pois era escrito à mão. Quando havia modificações, vinha alguém, rabiscava a informação antiga e escrevia a nova por cima ou ao lado. A tarefa de Landico: passar os boletins a limpo.

__Olha aqui, Landico. Preste bastante atenção. Você não pode se esquecer de nada. Estes documentos novos devem ficar iguaizinhos aos velhos, orientou Múcio.

Eram 12h30, quando foram dadas as recomendações e, às 16 horas, Landico se levanta e sai procurando uma caneta vermelha. Achando estranho, Múcio vai até a mesa do radialista para ver como ia o serviço.

__Pelo amor de Deus!, foi o que disse Múcio ao ver que Landico estava cumprindo à risca a sua determinação.

Landico copiava todas as anotações iniciais, rabiscava por cima e escrevia ao lado a mudança, igualzinho ao original. A caneta vermelha era porque ela tinha sido utilizada na correção de alguns boletins.

Múcio contou a história para Amri, que acabou permitindo que o radialista continuasse na sua, fazendo festa e levando a alegria por onde passava.