Crônica: Briga de galos

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: Briga de galos
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Apesar de parecer absurdo, tem muita gente que jura que este causo aconteceu. Verdade ou não, ele tem de ser registrado para a posteridade.

Historicamente, sempre houve muitos galistas (criadores de galos de briga) em Formiga. Depois da proibição legal, as rinhas diminuíram, mas as passagens pitorescas envolvendo o pessoal do meio continuam matando de rir.

No final dos anos 50, as brigas de galo estavam no auge. Muita gente criando novas raças, apostas das mais altas, animais negociados a peso de ouro. Dentro dos inúmeros galistas da cidade, dois se destacavam, o Geraldo Oliveira e o Rubens Paiva, o Pavão da Praça de Esporte.

Naquele tempo, quando havia torneios, a região vinha para Formiga e o movimento na praça era grande. Em certa feita, chegou por intermédio de um pessoal de Itapecerica a notícia de que havia aparecido em Belo Horizonte uma nova raça de galo índio que era um espetáculo. Os machos eram vermelhos com o peito preto. Os bichos eram uma desgraça, avançavam até no dono. A raça era chamada de “morcego vermelho”.

Houve expectativa, e todo mundo queria saber quem seria o primeiro formiguense a conseguir um exemplar da novidade.  Fosse quem fosse, iria ganhar dinheiro alugando o galo para cruzamento (desde aqueles tempos, a biologia genética já fazia parte do dia-a-dia dos galistas em Formiga).

Muito esperto e gozador, Geraldo Oliveira teve uma brilhante idéia. Foi à feira e comprou um grande galo branco, igual aos de granja de hoje, arrancou as penas das coxas e do pescoço e pintou o galo de anilina vermelha e o peito de preto. Foi a um ex-funcionário da Luzitana (uma famosa fábrica de guarda-roupas) e encomendou uma gaiola toda envernizada. Tacou o galo lá dentro e foi pra casa do Pavão.

__Acabei comprando. O bicho não tem cara de ser bom nada, parece galo comum, mas olha só a bicada que ele me deu, disse Geraldo apontando pra um arranhado no braço.

Meio cabreiro, Pavão começou a analisar a ave. Acabou botando fé quando Geraldo contou que tinha pago dois mil cruzeiros. Um galo dos bons era negociado no máximo por uns 500 cruzeiros. A chiqueza da gaiola acabou ajudando no convencimento...

Geraldo garante que sua intenção era apenas fazer uma brincadeira, só que Pavão se entusiasmou e acabou fazendo uma proposta inesperada de sociedade. Pagaria mil cruzeiros, e os dois passariam a ser donos do animal. Além do mais, aconteceria um campeonato no final de semana, e Pavão estava triste em ter de ficar de fora, a maioria dos seus campeões estava com gogo, uma ronqueira que dá em galos com resfriado.

Geraldo nem acreditou, aceitou o dinheiro na hora.

Feliz da vida, Pavão leva o galo para dar um trato em casa. Era sexta-feira, e no sábado ele abafaria no torneio com a novidade e, com certeza, recuperaria o investido ganhando apostas.

A rinha estava marcada para as quatro da tarde, mas Pavão chegou às duas e meia com o bichão debaixo do braço. Achou esquisito o Geraldo não ter aparecido, mas não ligou. Foi anunciado o primeiro confronto, e o Seu Edson Magazine apresentou um galo preto, cara de mau. Pavão fez logo uma provocação. A briga começou. Trinta segundos e o morcego vermelho do Pavão já tinha virado arara, corria igual a uma galinha.

Sem graça, Pavão procurou por seu sócio no meio da platéia. Quando olhou de uma portinhola que dava para uma varanda, Geraldo Oliveira se contorcia em gargalhadas.

Naquela noite, Pavão só não tomou a canja mais cara da história porque Geraldo não teve coragem de continuar a brincadeira e devolveu os mil cruzeiros.