Crônica: Casos e causos

Eduardo Ribeiro de Carvalho (de Formiga)

Crônica: Casos e causos
Eduardo Ribeiro de Carvalho é membro da Academia Formiguense de Letras




Estes dois títulos fazem parte do nome do meu livro (Contos, Crônicas, Casos e Causos), então achei melhor começar este trabalho falando um pouco sobre eles. Muita gente me pergunta se causo e caso não significam a mesma coisa, ou seja, se não são palavras sinônimas. É verdade, podem ser, contudo há uma diferença importante entre as duas. O dicionário Aurélio, mostra que caso significa dentre muitas outras coisas: acontecimento, ocorrência, desavença, relação amorosa extraconjugal, conto, história, etc., e causo significa também entre muitas outras coisas: conto, história, caso, etc. A semelhança do significado dos nomes é muito evidente. Contudo, é muito comum a utilização dessas duas palavras, por quem conta um caso ou um causo, e mesmo pelos escritores, observar a diferença que existe entre os dois termos, quem conta um caso, fala de um acontecimento real, algo que de fato aconteceu, e conta a história deste caso acontecido apresentando as cenas dele, como se fosse um B.O. (Boletim de ocorrência da Polícia Militar), exemplo:  - O bandido entrou no bar, sacou de uma arma, que levava na cintura debaixo da blusa, mirou em uma das pessoas que estava bebendo junto com outras e disparou nada menos do que seis tiros a queima roupa, a vítima não teve nem tempo de se defender e morreu ali mesmo, à vista de todos que estavam naquele local – Esse é um caso que acontece a todo hora no nosso amado Brasil, os noticiários de nossa esforçada e competente mídia, não para de dar essas notícias enfadonhas. Essas notícias são chatas, dolorosas de ouvir, sérias ao extremo, morreu gente, mas, é preciso que a impressa fale sobre elas, até mesmo para que possamos nos cuidar, nos proteger, da maneira que acharmos conveniente, se conseguirmos, é claro, porque o negócio está feio, a violência tomou conta de tudo nesses tempos modernos. Muito bem, continuando com o nosso assunto, não podemos dizer que essa notícia e um causo, ela é tipicamente um caso acontecido, e pronto. Já um causo, geralmente tem conotação engraçada, as pessoas podem rir, dar gargalhadas, e até mesmo ficarem assombradas, arrepiadas, e, seria contado mais ou menos dessa maneira -  havia um padeiro em formiga, isso é verdade ele existiu mesmo, não sei se ainda está vivo, e o que se sucedeu foi um fato verídico, ele saia pela cidade a vender pães e quitandas pela cidade, colocando-as dentro de seu balaio, aqueles entrelaçados com fitas de bambu, que ele carregava em um de seus ombros. O balaio, para quem conheceu o vendedor de pães itinerante, era enorme, até hoje nunca mais vi um balaio daquele tamanho. Ele tinha um bojo enorme e era bem fundo e media uns dois metros de comprimento, deve ter sido feito sob encomenda para o protagonista dessa história. Eu não duvido que ele colocava ali dentro toda a produção de sua padaria, que deveria ser feita nas altas noites, pois, era possível ver o padeiro com seu astronômico balaio já de madrugada, gritando em alto e bom som – olha o pão quentinho, olha a quitanda deliciosa – Gente, a qualidade dos produtos que ele punha naquele balaio era de dar água na boca, o cheiro então, era só chegar perto do balaio, que de lá emanava aquele cheiro de café da manhã, que era realmente irresistível. Tenho informações que ele vendia tudo muito rapidamente.
Conta a história, ou, a lenda, que num belo dia, ainda bem de madrugada, ele resolveu vender os seus produtos ali pelas bandas da Chapada, bairro até hoje muito popular aqui na nossa cidade, quando chegou ali junto ao Cemitério do Santíssimo, também muito conhecido pelo povo da cidade, notadamente para os que já lá estão em descanso eterno, como para nós, que ainda estamos vivos, mas, que também seremos carregados para lá em futuro incerto. (Desculpem leitores, mas, não consegui resistir à tentação dessa pequena ironia.) Então, o nosso querido padeiro, dizem, assentou-se no passeio ao lado do murro divisório que protege dos olhos curiosos, as coisas que estão lá em seu interior – naquele tempo não tinha a pracinha que hoje antecede o portão da entrada principal.  Não sei se o padeiro cansou, porque o balaio era grande, contudo, as quitandas e os pães não pesavam muito. E estava ele ali, quieto, sozinho, de madrugada, ainda escuro, pensado sabe se lá o quê.
Acontece, que do outro lado do murro, já dentro do cemitério estava uma dupla de coveiros, trabalhando duro na abertura de uma nova cova, cujo pretenso defunto teria de ser enterrado ainda naquela manhã, visto o estado avançado de decomposição em que ele se encontrava. Estavam naquele trabalho árduo, quando ouviram uma movimentação de fora do cemitério, e logo depois sentiram o cheirinho do pão e da quitanda, quentinhos, chegarem aos seus olfatos, e cujos estômagos já estavam reclamando por um desjejum, pensaram: é o padeiro!     
Não deu outra.
Subiram os dois para o alto do murro, que até hoje é bem alto, por uma escada de madeira velha que sempre ficava por ali, e foram logo gritando em uníssono, com voz alta e afoita, pelo esforço dispendido nos degraus da escada – Ô padeiro, me dá um pão aí!
Agora vocês imaginam o susto que o pobre padeiro levou. Ali, sentado, tranquilo, pensando na vida, sem esperar que nada desse gênero pudesse advir. Eu por mim, penso que naquele momento ele achou que eram mortos do cemitério, que subiram no murro pedindo pão.
Dizem, quem presenciou o fato, que o Senhor dos Pães, agarrou o seu faraônico balaio, e saiu desembestado morro abaixo, em altos berros desconexos e pedindo socorro. E também como era de se esperar numa situação desta, o balaio pelo seu tamanho, escapuliu de suas mãos e foi quitanda e pão que voou ladeira abaixo, para tudo quanto foi lado. A notícia, como toda notícia em cidade pequena, e a cidade era bem pequena naquela época, esparramou, e não havia ninguém que não dava boas gargalhadas ao tomar conhecimento dela. Isso é que se pode chamar de um bom “causo”.
Não conheço até hoje a versão do pobre padeiro, mas, espero ter aqui definido bem para o leitor que não conhece bem o significado das duas palavras, caso e causos.