Opinião BONS TEMPOS -1

Eduardo Ribeiro (de Formiga/MG)

Opinião BONS TEMPOS -1
Eduardo Ribeiro de Carvalho é membro da Academia Formiguense de Letras




 

Os rapazes estavam agachados por detrás de algumas moitas e árvores.

Eram em torno de oito a dez e observavam ansiosos, o andar apressado de dois outros companheiros que se dirigiam ladeira acima.

Abaixo deles o Rio Formiga deslizava suas águas por um leito menos poluído, visto o local encontrar-se afastado da cidade de Formiga. Em sua margem esquerda podia-se ver uma deslumbrante praia de areias tão alvas, que naquele tempo, adjetivaram o nome da cidade – Terra das Areias Brancas.  

Os jovens que caminhavam chegaram, não antes de algum esforço, junto a uma frondosa árvore de Ingá. Pararam rente ao tronco e olharam para trás, simultaneamente, procurando vislumbrar seus amigos que ficaram bem atrás deles, aguardando-os. Porém, só enxergaram sombras indefinidas. Desviaram, então, a atenção para a copa da árvore.

Pareciam procurar algo lá em cima.        

Por fim, fixaram os olhares para um ponto definido.

Lá estava ela.

Uma imensa caixa de abelhas Arapuá.

A missão dos dois era a seguinte: subir na árvore; entupir o buraco de entrada da caixa com uma bucha de pano que estava presa na ponta de uma vara; arrancar a caixa do galho onde estava afixada e jogá-la para dentro das águas do rio, para que as abelhas, em contato com estas, voassem para bem longe dali e eles e seus amigos, pudessem deliciar-se do saboroso néctar produzido por elas.  

Essa turminha de meninos que ali se encontravam era oriunda do conhecido bairro de Engenho de Serra. Naquele tempo, no início da década de sessenta, a diversão básica utilizada por eles em seus horários de folga, era tão somente os jogos de bolinha de gude, finca, de bola de capotão nos campinhos de terra batida, soltar pipas, rodar pião e no mais sair para apanhar frutos no cerrado ou nadar nos lagos existentes nas imediações da cidade.

Neste momento, conforme já dito, eles estavam à caça do delicioso mel de abelhas.

Os intrépidos moços prestes a escalar a árvore, eram os irmãos Roberto e Ricardo, rapazes de compleições franzinas, magros a tão ponto de terem alguns ossos do corpo sobressaindo sob a pele. Eram muito parecidos um com o outro e não fosse um deles ser um pouco mais alto, seriam facilmente reconhecidos como gêmeos.

Pelo físico que apresentavam davam a nítida impressão de que não seriam capazes de cumprir com o objetivo estabelecido.

Mas, fazer o quê?

O critério aprovado entre eles, para escolherem os “voluntários” que deveria levar adiante as tarefas que se lhe iam surgindo em suas aventuras, era o conhecido jogo do “par ou ímpar”. Eles formavam duplas que iam disputando entre si até que a última, considerada perdedora, era a eleita.

Daquela vez o azar tinha premiado os dois irmãos, para alívio dos restantes do grupo que se safaram de tão temeroso empreendimento.

O nome Arapuá ou Iapuá dado àquela espécie de abelhas significa “cabeleira emaranhada, em linha indígena e era justamente isso que as abelhas aprontavam para cima dos que ousavam mexer com elas. Juntavam-se às dezenas nos cabelos do agressor formando um tremendo emaranhado, além de aplicarem pequenas ferroadas, que, embora, não muito dolorosas, incomodavam bastante a quem as levava pela quantidade de picadas desferidas.

No entanto, o risco valia a pena.

As caixas dessas abelhas geralmente possuíam mel em abundância. Por isso eram sempre alvos prediletos daqueles vorazes caçadores, que não mediam esforços para obtê-lo e para tanto, lá estavam eles novamente prontos para aquela difícil obra. 

Roberto e Ricardo tornaram a olhar, sincronizados, para o lado dos companheiros, como que procurando apoio. Desta vez, notaram alguma coisa: eram as mãos dos amigos acenando para que eles subissem logo na árvore e resolvessem de vez aquela situação.

Vendo que não tinham outro jeito os dois irmãos respiraram profundamente, criaram coragem e iniciaram a subida com todo o cuidado possível, para não sacudir os galhos, o que poderia alvoroçar as abelhas e aí tudo estaria perdido.

Foram chegando perto da caixa, até que atingiram uma distância que dava para eles executarem o que pretendiam. Ficaram ali imóveis por algum instante, analisando a situação. Ricardo então passou a vara para Roberto que estava encarapitado mais acima e este, vagarosamente, esticou-a com a bucha de pano na ponta em direção à abertura da caixa.

Naquele momento já não respiravam, tal era a concentração que o ato exigia.

Roberto mirou bem e com um só golpe conseguiu acertar a bucha no lugar certo.

Ficou muito surpreso com o seu êxito, pois, nem mesmo ele estava acreditando que conseguiria realizar tal façanha.

Abriu então um largo sorriso no rosto.

Contudo, quando ameaçou dar o grito de sucesso para chamar o resto da turma, notou que havia um punhado de abelhas, saindo do outro lado da caixa. Provavelmente por uma segunda abertura, que ele nem o Ricardo tinham percebido antes.

Era pouco comum a existência de mais uma porta de entrada nas caixas de abelhas e quando se deparava com uma dessas, não havia outra alternativa senão deixá-la de lado, pois, tapar mais de um buraco de uma só vez era uma proeza quase impossível de ser realizada.

Todavia, o mal já estava feito.

Os dois irmãos ao perceberem o perigo, demostrando que ser magro não é sinal de fragilidade, desceram da árvore numa velocidade impressionante, já com os cabelos emaranhados e rostos ferroados por inúmeros insetos que voltejavam sobre suas cabeças e dispararam em louca corrida em direção às águas salvadoras do Rio Formiga.

À distância sem perceberem ainda o que estava se passando no “front”, os demais rapazes permaneciam imóveis em seus lugares, até que foram surpreendidos pelos dois irmãos que passaram por eles feito “uma bala” trazendo junto as terríveis e furiosas abelhas, que também investiram para cima deles.

E lá se foram todos, literalmente ferroados e emaranhados, em direção ao rio, em desenfreada correria.

Aquele dia tinha sido da caça.

Os caçadores de mel acabaram deitados nas águas rasas do Rio Formiga, com suas roupas, sapatos e tudo quanto era pertences, irremediavelmente molhados.

Logo depois daquela humilhante derrota, os amigos reunidos, rindo muito do acontecido, fizeram um acordo onde ficou acertado entre eles - que no futuro, quando em outros “assaltos” às colmeias silvestres, ficava terminantemente proibido aos escolhidos para tapar o buraco ou derrubar a caixa, fugir para o lado onde os outros companheiros estivessem aguardando.

Será!