Crônica: Deu branco

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: Deu branco
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Dizem que os grandes gênios desenvolvem partes específicas do cérebro e outras, menos importantes, ficam sem trabalho e acabam se atrofiando. Essa teoria ganha força quando é revelado que grandes cientistas, como Albert Einstein, tinham problemas de decorar pequenas fórmulas ou de repetir afazeres domésticos. Einstein, dizem as más línguas, não sabia dar o nó no cadarço. Parece brincadeira.

Em Formiga, existem casos engraçados envolvendo pessoas muito inteligentes, como é o caso do escritor, mestre, professor e poliglota Wilson Antônio Liberato.

Renomado intelectual, o professor é hoje o autor de livros didáticos de inglês mais vendidos no Brasil. Viajado, conhece todos os continentes do planeta, é dos mais festejados professores do Colégio Anglo em São Paulo. Tem mais de mil crônicas e artigos publicados.

Quem conhece pelo menos uma página do currículo de Liberato não sabe da grande dificuldade que o pobre coitado tem na vida: ele não consegue decorar placas de trânsito. Estuda, faz anotações, grava em cassete, mas não tem jeito. Motorista há mais de 30 anos, Liberato até hoje confunde placa de estacionamento proibido com placa de contra-mão; quando obrigado a virar a direita, tem de estalar os dedos para decifrar o enigma. É um problema.

Quando foi tirar a carteira, o professor veio para Formiga e ficou uma semana trancado em um quarto decorando aquele livrinho do Detran. Tentou três vezes, na última passou raspando. Dois dias depois, já tinha se esquecido de tudo. Mas a memória durou o tempo que precisava.

Para estrear o documento, o professor resolveu se aventurar e disse que iria de Formiga a São Paulo dirigindo. Parceiro de longa data, o advogado Antônio dos Santos Damasceno ficou com medo de deixar o amigo ir sozinho e disse que iria junto para dar umas dicas. A princípio, Liberato resistiu dizendo que não seria necessário, mas acabou aceitando a companhia.

Saíram de Formiga e, antes de chegar a Campo Belo, Damasceno já estava no suadouro. Seu amigo professor não acertava uma placa. A viagem foi rompendo e Damasceno cada vez com mais medo. Meio sem graça, Liberato foi ficando nervoso com as reclamações.

__Olha o quebra-molas! Cuidado com a curva! Freia... freia...!

E Wilson, cada vez mais desajeitado, foi diminuindo a toada. Via uma placa e fixava os olhos. Custava, mas lembrava. Foi entrar na Rodovia Fernão Dias que veio o grande vexame. Em uma placa verde, daquelas enormes, estava escrito: “Pare fora da pista”.

Wilson teve um branco (coisa de gênio), saiu da pista e estacionou. Damasceno tomou-lhe o volante e acabou de chegar a São Paulo.