Crônica: Sujeito bom assim...

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: Sujeito bom assim...
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Ninico Resende foi dos políticos mais astutos de Formiga. Sagaz, era dono de uma perspicácia sem igual. Passá-lo para trás era praticamente impossível.

Morador do Bairro Engenho de Serra, foi o primeiro prefeito vindo de família humilde. Não tinha o primário completo, formou-se na escola da vida. Chegou à Prefeitura pelos braços do povo.

Assim que se viu sentado como chefe do Executivo, Ninico começou a ser abordado por picaretas, empresários e empreiteiros que achavam que ele não tinha cultura, que seria fácil dobrá-lo e que a cidade seria um campo fértil para os mais diversos interesses.

Logo no início do mandato, Ninico chegou para trabalhar em uma segunda-feira e estava esperando um senhor alto e bem aparentado chamado Aparecido Lopes. De terno branco, pastinha e cara de songó (songó era sinônimo de singelo, pessoa sem maldade alguma), o tal senhor se dizia pastor de uma nova religião que estava fazendo muito sucesso em Belo Horizonte, e a idéia era montar um templo regional em Formiga.

Ninico tratou o sujeito com fineza e disse que tanto ele quanto sua igreja eram bem vindos. Conversa vai conversa vem, o tal Aparecido foi explicando que no templo haveria escola para crianças carentes, albergue e distribuição de cestas básicas.

Mantendo o jeito de pessoa boa, de songó da melhor espécie, o pastor explicou que, para que o projeto se tornasse viável, seria necessário que fosse enviado à Câmara Municipal um projeto de lei doando para sua igreja um terreno perto do Centro Social Urbano.

Foi ouvir o pedido e Ninico, como se dizia, soltou os cachorros. Começou a xingar o homem, ameaçando chamar a polícia e mandando ele sumir. Foi uma correria no Gabinete, ninguém entendia nada, teve gente que achou que o sujeito tinha agredido o prefeito.

Depois que a poeira baixou, Ninico explicou ao pessoal o que tinha acontecido e foi logo repreendido pelo Amri Diniz, que era secretário municipal:

__Cê ficou doido, Ninico? Político não briga com gente de igreja, isso tira voto. Vai que os crentes da cidade ficam contra você... além do mais, esse pastor tem cara de gente boa.

Ninico não deu ouvidos e começou a assinar um monte de papel que já estava em cima da mesa.

Passado um ano, aparece no “Estado de Minas”: “Golpista monta igreja, recebe terrenos de Prefeituras e vende”. Nome do cara: Aparecido Lopes.

Amri foi comentar:

__Pô Ninico, o cara era amável, mostrou-se bem intencionado, era muito humilde, tratou todo mundo bem. Como é que você desconfiou?

E Ninico deu a aula:

__Aquilo só tinha jeito de songó, tava na cara. Não existe ninguém bom e bem intencionado daquele jeito.