Opinião: A morte da paca véia

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Opinião: A morte da paca véia
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Antônio Cajuru é dos mais importantes e competentes empresários da cal de Minas Gerais. Sujeito engraçado e gozador, é protagonista de inúmeros causos que, de tão incríveis, parecem mentira.

Muito trabalhador, Cajuru desde criança conciliou suas atividades no meio rural com a sua devoção à Imaculada Conceição. Começou como pequeno produtor na comunidade de Baiões, distrito de Formiga, onde foi coroinha por quase uma década. Muito católico, esteve sempre disposto para ajudar em missas e quermesses.

Certa vez, meados dos anos 70, moradores de Baiões estavam incomodados com uma paca gorda que estava desmanchando roças de milho na região. Era o pessoal plantar, os milhos começarem a cachear e vinha a danada da paca avacalhar tudo. Ela foi quase apanhada uma vez e acabou ficando arisca. Era um inferno.

Iniciando sua vida empresarial, Cajuru e um primo investiram economias na plantação de um milho que foi distribuído pela Emater em terreno alugado ao lado de uma capoeira, pertinho de Baiões. Todo mundo avisou: “Cuidado, na hora em que as espigas começarem a nascer, a paca vai lá e come tudo”.

        Era um sábado à tarde, 8 de dezembro (dia da Imaculada Conceição), e o dono da venda avistou a paca perto da plantação de milho. Contou na pracinha e logo a notícia se espalhou. Apavorado, o jovem Cajuru e seu primo passaram a mão em uma cartucheira para tentar matar o animal. Naquela noite, um tal de padre Cornélio, que tinha chegado à cidade, mandou avisar que rezaria uma missa na velha capela do povoado, e Cajuru acabou sendo convocado para dar uma panca. Coroinha e devoto, ele não teve como dizer não.

        Combinou então que, enquanto ele participava da missa, seu primo ficaria de tocaia.

Começou a celebração e Cajuru foi cumprindo seu papel. Tocou sininhos na hora da consagração e ajudou no momento do ofertório. Quando o padre Cornélio foi dar as hóstias, Cajuru pegou um pratinho inoxidável e ficou colocando debaixo da boca dos fiéis na hora em que eles recebiam a comunhão.

Justamente na hora em que uma complicada professora, que na época era casada com um conhecido fazendeirão casca grossa, levantou o véu e pôs a língua pra fora para receber o Corpo de Cristo, Cajuru ouviu ao longe o disparo da cartucheira: “Pá!”.

Entusiasmado com a possibilidade de a bichona ter sido abatida, o jovem coroinha enfiou o pratinho debaixo do queixo da mulher e soltou em voz alta:

__Morre, paca véia!

Foi um Deus-nos-acuda, custaram a segurar o fazendeirão.

Por azar, o primo de Cajuru tinha pontaria ruim, e a encrencada da paca ainda ficou muito tempo atazanando as roças de milho de Baiões. Dizem que ela acabou morrendo de velha.