Opinião: ‘Barba, navalha e política’
Ana Pamplona (de Formiga)
Dia anormal na quase sempre pacata cidade de Formiga. Agitação justificada pela disputada corrida às urnas para as eleições municipais.
A tradicional “Barbearia do Tóim”, estava lotada naquela tarde de quinta-feira antes do pleito. O recinto — propriedade de Antônio Manso Pacífico, o Tóim — apesar de pequeno, acomodava como podia, um grande número de pessoas num agitado burburinho. Fregueses, amigos e candidatos entravam e saíam disputando palmo a palmo o reduzido espaço da bem frequentada barbearia.
Alguns estavam ali para as tradicionais rodas de conversa, cujos assuntos variavam desde futebol e política, até as mais variadas fofocas. Discutir religião era proibido. Já outros, lá estavam para os cortes de cabelo e cuidados com a barba e bigode. Devido à proximidade das eleições, este cordão engrossou com os candidatos à política. Marcavam presença os mais variados personagens políticos, sabedores do poder de efervescência daquele salão. Havia também o famoso painel político montado com os santinhos dos candidatos, que atraía muitas pessoas para o estabelecimento. O Tóim até precisou trazer o George, seu filho, para ajudar. Ambos se esforçavam para manter o clima ameno de sempre, mas estava ficando quase impossível. A política formiguense esquentava cada dia mais.
Em dado momento daquela tarde, estava lá fazendo cabelo, barba e bigode, o empresário Carlos José de Andrade, candidato a prefeito, conhecido pelo apelido político “Carlão do povo”. Havia sido prefeito por dois mandatos há alguns anos atrás. Eloquente e simpático, conversava em tom de comício, enquanto o Tóim lhe ajeitava a barba. Estavam ali também, alguns de seus apoiadores.
Não por mera coincidência, naquele momento, José Jorge Souza Pinto, o popular “Caroço de Manga”, também candidato a prefeito, entra na barbearia. Maior adversário político de Carlão, também havia sido prefeito. Eram ambos bastante experientes na política e viviam trocando farpas nas redes sociais e durante debates e entrevistas, por isso a entrada dele havia causado uma certa tensão no ambiente.
José Jorge entrou com dois assessores, fez um cumprimento geral a todos e sem rodeios dirigiu-se a Carlão em tom agressivo, agitando algumas folhas de papel no ar:
— Carlão, que história é essa de copiar meu plano de governo?
Com o rosto pintado de creme de barbear, Carlão deu um pulo da cadeira, colocando em risco o próprio pescoço, uma vez que a precisa navalha do Tóim estava trabalhando nele.
— Está louco, Caroço? Não copiei nada! Meu plano de governo é o mesmo de sempre, desde a minha primeira candidatura! — respondeu o adversário.
— Ah sim!! Quer dizer então que você vem enrolando o povo formiguense com o mesmo plano de governo desde o início?!? perguntou o Caroço de Manga.
A observação deixou o adversário desconcertado.
— Meu caro, como você sabe muito bem, os problemas da cidade não mudam nunca. Continuam os mesmos de sempre. — respondeu ele. Desta forma, devolvo a acusação a você: andou copiando meu programa de governo, heimm??
Caroço de Manga ficou apertado. Como podia ser aquilo? Os assessores de ambos estavam desconcertados, uma vez que eram os responsáveis por elaborar os planos de campanha. A discussão intensificou e descambou para alguns insultos repreensíveis.
A certa altura, ainda segurando sua navalha, Tóim resolveu intervir:
— Meus amigos, vamos manter a calma. Afinal, estamos entre pessoas civilizadas... As eleições já são daqui há três dias, acaba o prazo para as propagandas hoje, não há mais o que fazer. Não adianta brigar! O que está feito, está feito!
Com bastante diplomacia, o experiente barbeiro controlou a situação sem mortos nem feridos, e muito menos danos para seu estabelecimento. Terminou a barba e o bigode de Carlão e propôs o cachimbo da paz: tomar uma cervejinha bem gelada (que ficava estrategicamente na sua geladeira), sem brigas, nem assuntos de política.
Os políticos aceitaram, mas alguns ficaram matutando quem teria dado os primeiros “control C” e “control V”...