Opinião: Tampa para umbigos

Ana Dulce Pamplona Frade (de Formiga)

Opinião: Tampa para umbigos
Ana Pamplona é membro do Coletivo Poesia de Rua




O umbigo dela era do tipo estufado. Do tipo que chama a atenção de todas as avós, bisavós, madrinhas e vizinhas, especialmente as que nasceram da década de 50 para trás.

De tal forma que, depois que a linda garotinha, de bochechas rosadas e cabelos escuros emergiu das entranhas da mãe, já iniciaram os sábios conselhos:

—Olha, precisa amarrar uma faixa de flanela (com uma moeda embutida) na barriga dela, bem em cima do umbigo. Ah! E que seja bem apertada para afundar o dito cujo, senão, no futuro, quando crescer, não vai adiantar ser uma moça bonita com o umbigo estufado! Concorda? — perguntava a matrona aguardando aprovação sem direito a contestação.

Para azar de todos, o coto umbilical havia caído com cinco dias e acusava a condição “anormal” do umbigo da menina. A pobre mãe, ainda ressentindo-se com as dores do pós-parto, olhou para a sábia conselheira com uma expressão imprecisa.  Não sabia o que lhe causava mais descrença: se era o pavor sobre o que estava ouvindo ou as dúvidas sobre o futuro incerto do tal umbigo.

O fato é, que a matrona dizia ter em casa a tal faixa milagrosa, feita especialmente para aquele docinho que berrava de fome e cólicas intestinais. “Meu Deus do céu” —pensou a mãe— “faixa na cintura, com uma moeda embutida e ainda por cima bem apertada? ” (e a menina berrando...). Claro que devia ser um pesadelo. Só podia. Não bastasse o fato de que, no ano da graça de 1.997, as matriarcas experientes e altamente operacionais, tentavam obrigar a mãe a usar fraldas de tecido e calça plástica na bebê, em detrimento às modernas, práticas e antiecológicas fraldas descartáveis.

Pois bem, enchendo-se de coragem, ela se recusou a tudo.

Vieram as ameaças: “depois não diga que não avisei!!”; “tadinha da neném!”;  “vai ser daquelas mocinhas com umbigo estufado”; “olha pro seu umbigo, que bonito, foi tratado desta forma!”... e por aí vai.

A vida prosseguiu. A bebê cresceu feliz da vida com seu pitoresco e estufado umbigo e ainda por cima, usando as antiéticas fraldas descartáveis. A pobre mãe, que já estava acostumada a conviver com a culpa (neste caso, a culpa por não ter consertado o umbigo estufado) — que todas as mães precisam conviver mesmo se estiverem fazendo tudo certo em relação a seus filhos — também prosseguiu, aliviada por ter livrado sua linda criança da tortura de usar uma faixa apertada na cinturinha rechonchuda. Afinal, há quanto tempo já se foram os espartilhos?

Certo dia, daí uns dois anos, a bebê era barrigudinha como todos os bebês de dois anos e, claro, o umbigo continuava estufado. A mãe, que não era somente mãe dela, estava a pelejar com o filho mais velho no banheiro. Hora do banho, hora da tortura.... Para quem não sabe, as crianças não gostam de perder tempo com banhos. Muito menos de lavar umbigos. E não é que o garoto de sete anos, justamente berrava enquanto sua mãe esfregava o fundo do seu umbigo, que continha sujeiras de umbigo?

—Ai, mamãe, para, por favor! Isso dói, meu umbigo dói, me dá aflição!

Mesmo assim a mãe, a causadora de todos os males possíveis e imagináveis, continuava agachada, dentro do box, em sua árdua missão.

De repente, ela sentiu uma mãozinha cutucando seu ombro. Era a pequenina bebê que queria lhe falar. E foi quando, do alto dos seus dois aninhos, ela soltou essa pérola, por entre um sorriso com dez dentes e muito catarro no nariz:

—Mamãe, ainda bem que o meu umbigo tem TAMPA, né? Não "picisa" limpar, né?

 

 

PS.: Para quem ficou curioso, ninguém sabe de onde a menina tirou essa estória de tampa. E assim que ela completou uma idade em que a barriga estica, o famoso umbigo estufado desapareceu e ficou tão fundo como o do irmão...