Opinião: Canudos

Anísio Cláudio Rios Fonseca (De formiga/MG)

Opinião: Canudos
(Anísio Cláudio Rios Fonseca é professor do UNIFOR-MG e coordenador do laboratório de mineralogia)




Meu interesse na guerra de Canudos surgiu por uma simples coincidência, onde um pesquisador paulista esteve aqui em Formiga e visitou a região de Morro das Balas, onde pesquiso minerais. Em seu site, vi que ele e alguns formiguenses haviam estado lá e ele foi atraído pela presença de esferas de minerais de ferro (Hematitas globulares). Aventou a possibilidade de serem resquícios de algum tipo de munição utilizada nos combates das tropas do império com os quilombos. Ao ler isto, escrevi para ele e esclareci o que eram e que ocorriam naturalmente na região. Chamei atenção para os relatos históricos de Canudos, os quais versavam que o jagunço utilizava tudo o que estava à mão como munição, inclusive “bolinhas e pedrinhas de hematita” colhidas à flor da terra. Julgo que se trate do mesmo material que temos aqui, pois para uso em armas de antecarga, possuem boa massa e aerodinâmica para disparos à curta distância. Não sei se na nossa microrregião, nas batalhas entre os quilombolas e as tropas do império, estas esferas naturais foram utilizadas como munição. O que sei é que a trágica história da guerra de Canudos mostrou que um monte de pessoas ditas “inferiores” deitou e rolou sobre as tropas do governo, simplesmente pela prepotência das últimas, as quais desprezaram o conhecimento que o sertanejo tinha de seu meio. Moreira César, ao atirar com uma espingarda apreendida, falou em alto e bom som que aquela gente estava desarmada. Ledo engano! Inicialmente os sertanejos estavam armados com espingardinhas mijoleiras de carregar pela boca (pica-pau) e pequeno calibre, próprias para caçar passarinhos, mas muitas vezes atiravam a menos de três metros de seus oponentes, ocultos pela vegetação espinhosa da caatinga. Vitoriosos, apreenderam armamento das tropas e aí sim, o bicho pegou pra valer. Entre outras armas, aprenderam a manusear os potentes fuzis Manlincher 7,92mm, Mauser 7mm e o Comblain, e dispunham de muita munição. Não conseguiram fazer o canhão Withworth, (conhecido como matadeira) funcionar, então o usaram como bigorna nas suas forjas.  Estraçalharam os inimigos que puderam, espalhando seus restos de forma macabra pelo caminho, para desencorajar as novas incursões das tropas. As tropas do governo só venceram no final pela absoluta superioridade numérica, executando covardemente pela degola a maioria dos que se renderam. Aliás, o lema de Moreira César ao atacar com suas tropas era “carga e degola”. Conhecido como verdugo de brasileiros, provou de seu próprio remédio.

Gosto do exemplo de Canudos pela obstinação de uma gente simples ao extremo que via no beato Antonio Conselheiro sua redenção. Legiões das pessoas mais miseráveis da caatinga foram atraídas pelo carisma de Conselheiro. Não vejo essa guerra como uma luta do bem contra o mal, mas de ideologias embasadas, por um lado, no fanatismo religioso e, por outro, na truculência das tropas servis ao Estado. Em sua obra “Os Sertões”, Euclides da Cunha reconhece que o sertanejo é, antes de tudo, um forte, jogando por terra os tons racistas que permeavam publicações da época. Sem dúvida, estes homens utilizaram o conhecimento que possuíam do meio em que viviam e técnicas rudimentares de fabricação de pólvora negra, confecção de armas toscas e metalurgia da galena argentífera (minério de chumbo e prata) encontrada por lá para produção de projéteis.

Antonio Conselheiro se dizia contra a república, mas ele sequer devia saber o significado disso, visto que o regime de Canudos era bem semelhante à república. A história de Canudos deveria ser mais bem divulgada nas escolas, com ênfase nos aspectos políticos, religiosos e de logística, enfatizando aí a inteligência nata do sertanejo, que apesar de ignorante no sentido cultural, deu provas bombásticas de sua capacidade, inteligência e obstinação.