Opinião: Cederam ao ex-marido imagens dela em situação de atrito

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Cederam ao ex-marido imagens dela em situação de atrito
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Separação dói. Todos sabem disso. Então, para se preservar dessa dor, bastaria os casais não se separarem. Porém, não é simples assim. Em determinados casos, separar-se torna-se medida de força maior, mas, mesmo quando se está consciente de que não havia outra saída, há sofrimento. Alguém que chegou ao fim de um casamento e sai por aí aparentemente feliz e saltitante não está livre de se questionar, em algum momento, sobre o fracasso do relacionamento. Afinal, o que todos desejam é acertar.

Ela inicia assim sua conversa comigo, tecendo considerações sobre relacionamentos e términos deles. Poderíamos ficar ali refletindo e conversando sobre isso – esse é um tema que, no dizer popular, dá pano pra manga, contudo os compromissos chamam tanto a ela quanto a mim.

Conta que, para celebrar os dez anos de sua empresa, contratou o serviço de um salão de festas, incluído o bufê. Durante a festa, que foi ótima, uma das funcionárias dela passou mal. Precisando da ajuda do pessoal do salão de festas, não encontrou ninguém que a apoiasse, sob a alegação de que não seria possível deixar de servir os convidados. Nenhum funcionário atendeu ao seu pedido de ajuda. Procurou pela gerente do lugar, mas ela não se encontrava ali. Preocupada com a funcionária, acabou perdendo a paciência e expôs sua insatisfação a uma das atendentes do bufê. Isso a fez tornar-se rapidamente o centro de uma confusão, pois a moça reagiu mal ao seu desabafo, e um bate-boca se instaurou.

Ela me diz que se arrepende por ter perdido a calma. O constrangimento que criou para si mesma foi o seu pior castigo. Poderia ter lidado de modo diferente com a situação e buscado, fora do ambiente, alguma ajuda para a funcionária, levando-a para casa ou para um pronto atendimento. Consciente disso, chegou a se desculpar com a proprietária do salão, no dia seguinte, pelo destempero, mas não perdeu a oportunidade de sugerir que passasse a haver alguém designado para apoiar os contratantes e convidados em caso de imprevistos como aquele que ocorrera com a funcionária dela.

Desculpas aceitas, considerou o episódio água passada.

Porém, a coisa não parou por aí. Conta-me que se separou recentemente de seu marido. Ambos estavam em processo de separação litigiosa (a separação é litigiosa quando as partes não entram em acordo quanto aos termos do divórcio, no que se refere à partilha de bens, guarda de filhos, pensão, etc.), quando ele juntou aos autos um vídeo daquela cena em que ela batera boca com a atendente do bufê. Ele apresentou isso como forma de denegrir sua imagem diante do juiz. Indagado sobre quem lhe havia fornecido aquela gravação, ele disse que fora a proprietária do salão de festas. Tudo tinha sido gravado pelo circuito de segurança do local.

Considerou um ultraje a cessão daquele vídeo ao ex-marido dela, assim como o que o motivara a juntá-lo ao processo. Ela não se conforma com a situação e quer processar a proprietária do salão.

Digo-lhe que ela pode, se quiser, ajuizar uma ação de indenização por dano moral. Ao estabelecimento cabia o dever de cuidado em relação às imagens gravadas pelas câmeras de segurança exatamente no momento da discussão dela com a atendente. Se o ex-marido solicitou essa parte da gravação, a proprietária do salão, para ceder-lhe o material, teria de ter pedido sua autorização, já que ela estava exposta na cena.

A Constituição Federal é muito clara: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". O estabelecimento tem o dever de manter o sigilo de imagem. Se não for caso de investigação criminal ou se não se constituir como prova em processo penal, o correto é fornecer a imagem somente após ter recebido uma ordem judicial para isso.

 Então, se as imagens não forem necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, sua divulgação tem de ser autorizada pelas pessoas retratadas.

É muito comum as empresas, principalmente as do ramo do comércio, entregarem à vítima cópias das imagens gravadas pelas câmeras de segurança dos seus estabelecimentos. Esquecem-se de que, muitas vezes, não aparecem na gravação apenas imagens da vítima; outras pessoas estão ali retratadas. Se aquelas imagens forem divulgadas sem autorização destas, ou, em caso de divulgação, se os rostos não forem distorcidos para evitar identificação, as empresas poderão ser processadas por essas pessoas.

Mesmo tendo ciência de que se tratava de um marido querendo usar o vídeo contra a esposa em um processo de separação litigiosa, a proprietária do salão de festas o entregou a ele. Era evidente, mesmo para um leigo, que se faria um uso indevido da imagem, pois a mulher seria exposta a constrangimento. Esse ato de violação de um direito personalíssimo, como é o da imagem, é passível de condenação por dano moral.