Opinião: Descobriu que o filho não era dele

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Descobriu que o filho não era dele
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Os dois namoravam há quatro meses quando ela lhe deu a notícia da gravidez. Ficou estarrecido. Perguntou várias vezes a ela se era verdade ou brincadeira. Nunca imaginara passar por aquela situação. Quando algo assim acontecia com algum amigo, ele era o primeiro a fazer piada, dizendo que era incompreensível, em um mundo tão avançado, com tantas formas de prevenção, alguém cair no golpe da barriga.

Suas amigas, quando ouviam isso, revidavam o gracejo de mau gosto, chamando a atenção para o fato de que a prevenção de uma gravidez não era responsabilidade única da mulher. A paternidade inesperada o fez ver que elas tinham razão. Não lhe saía da mente o início da canção “Oração pela família”, de Padre Zezinho: “que nenhuma família comece em qualquer de repente”. Estava ali, a começar repentinamente a sua.

Apoiou a namorada durante a gravidez e durante o parto. Nasceu um menino forte e saudável. Ficaram assim, cada um na respectiva casa, até que, quando a criança completou um ano e meio, resolveram casar-se. Ele me diz que essa foi uma decisão impensada, pois o relacionamento com a mãe do menino tornou-se cada vez mais conturbado.

Hoje consegue explicar isso. É que tinham namorado muito pouco tempo. Não se conheciam de fato. A gravidez chegara atropelando tudo, e a decisão de ficarem juntos fora mais motivada por dar algum suporte à criança do que por amor um ao outro.

O casamento durou pouco mais de três anos. Logo que se divorciaram, ouviu um comentário que o incomodou e plantou uma dúvida em seu coração. Um amigo o viu com a criança e comentou que os dois não se pareciam em nada. Os outros, que estavam junto, concordaram com a observação.

A alma de Bentinho, personagem de Machado de Assis no livro “Dom Casmurro”, instalou-se nele. Começou a observar o filho. Realmente não se pareciam. Isso o inquietou a tal ponto que disse à ex-mulher que queria um teste de DNA. Ela não se opôs a isso. O exame foi feito e detectou que ele não era o pai da criança. Ela ficou em choque. Por essa reação, ele percebeu que ela não o enganara. Casara-se com ele, pensando que o filho fosse dele.

Depois disso, não conseguia mais nem olhar para a criança, tal o sofrimento que o invadia. Sua vida fora afetada por uma paternidade que nunca existira. A revolta o fez afastar-se completamente dela e da criança.

Procurando explicar-se, ela lhe havia contado que, em um final de semana em que os dois brigaram, ela fora a um show em uma cidade vizinha e se hospedara na casa de uns parentes. Depois de irem ao show e ingerirem algumas cervejas, voltaram para casa, onde também estava hospedado um primo em terceiro grau. Os dois ficaram conversando madrugada adentro e, talvez devido à bebida e à boa conversa, envolveram-se e mantiveram relação sexual. Dado o resultado do exame, o filho só podia ser desse primo distante.

Ele me conta que, preocupada com a criança, ela procurou esse primo e pediu que se submetesse ao exame de DNA. O resultado foi positivo. A partir desse momento, ela promoveu a aproximação da criança com o verdadeiro pai biológico. A sintonia entre os três foi instantânea.

Hoje, três anos após a realização do exame de DNA, não vê sentido em manter, no registro de nascimento, seu nome como pai da criança. Já não tem nenhuma ligação com o menino. Quer saber como fazer essa alteração.

Explico-lhe que o reconhecimento voluntário da paternidade é um ato solene, irrevogável e que não admite arrependimento. Porém, pode ser anulado se ficar comprovado que o pai foi levado a erro, se houve dolo, coação, simulação ou fraude. Pelo que me contou, isso não ocorreu, pois também a mãe do menino se surpreendeu com o resultado do exame.

Para conseguir ser bem-sucedido na ação negatória de paternidade, ele terá de demonstrar que não existe o vínculo biológico, assim como terá de ficar demonstrado que não foi constituído um estado de filiação, ou seja, não existe entre ele e a criança uma relação socioafetiva.

Se ficar evidenciado que a criança tem com ele vínculos de amor, se o vir como pai e se for ficar desamparada materialmente, o Juízo provavelmente não lhe dará ganho de causa. Será levado em conta o melhor interesse da criança e sua proteção. É que a paternidade não se realiza apenas por um vínculo biológico; ela se realiza também por vínculos de afeto, por isso hoje se fala tanto em paternidade socioafetiva.

Ele me conta que a ex-mulher vive em união estável com o pai do menino há dois anos e que os três formam uma família harmoniosa. A criança tem, da parte do pai biológico, amparo afetivo e suporte material. Digo-lhe que, se isso ficar comprovado, é provável que seu pedido seja atendido pelo Juízo.

“Será muito bom. Nessa história, apenas eu não fechei o ciclo. Reconheço minha limitação – não sei amar sem medidas. Quero filhos gerados por mim.” – ele me diz.

Percebo que tudo ainda dói nele. A ferida continua aberta.