Opinião: Pensou que não dividiria a herança com a madrasta
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)
Quando, passados sete anos da morte da mãe dela, o pai decidiu casar-se novamente, ficou satisfeita, pois ele merecia mesmo ter uma companheira. Ficara viúvo ainda jovem e dedicara-se apenas a ela, que, à época, tinha dezoito anos. Sentiu-se tranquila em relação ao importante passo, porque a escolhida era uma pessoa de boa índole e carinhosa, tanto com ele quanto com ela.
O pai não era um homem rico, mas tinha um bom salário e uma ótima casa, muito bem decorada, adquirida quando a mãe dela era viva. Seu único luxo foi adquirir, há pouco tempo, uma caminhonete mais cara.
Preocupado em assegurar o patrimônio dela, filha, casou-se pelo regime da separação convencional de bens. O casal, em cartório, assinou e registrou um pacto antenupcial, renunciando aos bens um do outro.
Após dez anos de casados, ele faleceu. Isso foi há uma semana. Está conversando comigo para esclarecer uma dúvida, pois ficou surpresa durante uma conversa com a madrasta. Esta disse que tem direito à metade do patrimônio deixado pelo marido. Reagiu imediatamente, lembrando o pacto antenupcial que os dois assinaram, no qual renunciavam à herança um do outro. A madrasta insistiu na afirmativa e sugeriu que ela fosse ver a questão com um advogado. Assim, evitariam desgastes.
Explico a ela que, quando se adota o regime da separação convencional de bens em um casamento, realmente se celebra previamente um pacto antenupcial. Nesse pacto, o casal combina que seus bens, presentes e futuros, serão incomunicáveis. É um pacto que tem de ser feito por meio de escritura pública e, para que tenha validade diante de terceiros, precisa ser registrado.
Como o pai e a madrasta dela firmaram e registraram esse pacto, isso significa que, se tivesse havido divórcio entre eles, os bens não seriam partilhados entre os dois – cada um ficaria com os seus. Essa é uma norma do Direito de Família.
Ao caso que ela me apresenta, não é o Direito de Família que se aplica, pois se trata de decidir quanto ao patrimônio deixado por uma pessoa falecida. Nesse caso, aplica-se o Direito das Sucessões. Esse é o ramo do Direito que traz as normas de transferência do patrimônio de alguém após a sua morte, seja esse patrimônio composto de créditos e/ou débitos deixados pelo falecido.
A lei proíbe que a herança de pessoa viva seja objeto de contrato, por isso o pacto antenupcial se aplica apenas enquanto a pessoa é viva.
Comento com ela que esse é um tema muito discutido. Muitos doutrinadores defendem que a vontade do casal deveria prevalecer e que o pacto deveria ser aplicado, mesmo após a morte de um dos cônjuges, se os dois decidiram renunciar à herança um do outro.
Porém, ainda não é esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Para ele, o Direito de Família, que regula o regime de bens dos casamentos e uniões estáveis, abrange apenas a titularidade do patrimônio em vida; o Direito Sucessório surge com a morte, cuida de herdeiros legítimos e testamentários.
Por isso, a madrasta está certa em afirmar que tem direito ao patrimônio deixado pelo falecido. Quanto à casa, 50% já pertenciam a ela, filha, mesmo antes de o pai se casar, pois ela os herdou da mãe. Os outros 50%, que pertenciam ao pai, serão partilhados entre ela e a madrasta – 25% para cada uma. Já no que se refere ao automóvel, que foi adquirido pelo pai na constância do segundo casamento, cada uma tem direito a 50%.
Quando ela sai, fico pensando que o tabelião, quando o pai dela e a madrasta assinaram o pacto nupcial, deve tê-los alertado que a cláusula da renúncia à herança não seria aceita, se, à época do falecimento de um deles, ainda prevalecesse o estrito entendimento de que herança de pessoa viva não pode ser objeto de contrato. Provavelmente, mesmo assim, o casal insistiu em que fosse inserida.
Em situações assim, seria mais seguro ao tabelião incluir a informação de que esclareceu ao casal isso, para que não venha a ser questionado por inserir no pacto algo que, pelo menos no momento, ainda é considerado destoante do que determina a lei. Ficaria registrado que o esclarecimento foi feito, mas que foi escolha do casal manter a cláusula.