Opinião: Ela precisa de dinheiro da herança antes do término do inventário

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Ela precisa de dinheiro da herança antes do término do inventário
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




À beira da piscina, tomando o bendito sol que espantou o frio julino da cidade, ouço-a conversar com minha irmã. Ela diz que cursa o segundo ano de Odontologia em uma faculdade particular. Era o pai, falecido há dois meses, quem arcava com a mensalidade e com todos os custos dela relativos a moradia, alimentação, transporte, vestuário, lazer, etc. Embora fossem despesas mensais altas (giravam em torno de quinze mil reais), o poder aquisitivo dele permitia esse custeio. Era um empresário bem-sucedido e dono de um patrimônio que ultrapassa trinta milhões de reais. Ela sabe dizer esse valor por causa do levantamento de bens que foi necessário fazer dentro do processo de inventário.
Agora, prestes a reiniciar suas aulas, não sabe o que fazer. Devido ao processo de inventário, todos os valores depositados na conta do pai estão bloqueados até que ocorra a partilha. Não tem, portanto, como pagar a faculdade e o aluguel, assim como não tem recursos para se manter na cidade em que estuda. Acha uma incoerência passar necessidade financeira quando está claro que o pai deixou um vasto patrimônio, inclusive saldo bancário alto.
Percebendo sua preocupação e inconformismo, adentro na conversa. Comento que o inventário é importante não apenas para levantar e avaliar (precificar) os bens deixados pelo falecido, mas também suas dívidas. Primeiramente, o patrimônio serve para quitar as dívidas; depois é que se tem ideia do montante que restou e que será partilhado.
Ela diz que já foi feito o levantamento do que o pai devia. É um valor que chega quase a duzentos mil reais; portanto, de fácil e segura quitação, considerando o patrimônio deixado. Também já foi pago o ITCD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) relativo ao patrimônio inventariado.
Pergunto se a mãe dela é viva, se há outros herdeiros e se eles concordariam em que determinado valor da herança lhe fosse antecipado. Responde que a mãe faleceu cinco anos antes do pai, que tem dois irmãos, e que estes não colocariam empecilho para que ela recebesse a quantia. Já disseram que concordam, pois o pai financiou a faculdade deles. Não veem sentido em negar isso a ela.
Digo a ela que a lei é clara: o juiz poderá, desde que fundamente sua decisão, autorizar que um herdeiro possa usufruir de determinado bem, com a condição de que, ao término do inventário, tal bem integre a cota desse herdeiro. Isso significa que o valor/bem que lhe for antecipado será, depois, no momento da partilha, descontado do montante que couber a esse hereiro na herança. Na partilha, deve haver a máxima igualdade possível quanto ao valor, à natureza e à qualidade dos bens.
Então, se ela comprovar a real necessidade de recebimento de determinado valor, especialmente para que se mantenha na faculdade, esse pedido poderá ser feito nos autos do processo de inventário. Deve juntar ao seu pedido uma declaração da faculdade, atestando que frequenta o curso de Odontologia, assim como recibos das despesas mensais que tem. Poderá alegar, além da justa causa do estudo (se não lhe for antecipado o valor, ela precisará trancar seu curso na faculdade, já que não tem renda própria), o fato de que não causará nenhum prejuízo aos outros herdeiros.
Para calcular o valor a ser pedido, ela poderá, por segurança, tomar como referência, por exemplo, as despesas relativas a um mês, multiplicá-las por doze meses e, assim, chegar ao montante relativo a um ano. Possivelmente, nesse tempo já estará concluído o processo de inventário. Mesmo sendo uma medida excepcional, é provável que o Juízo acolha seu pedido, considerando que o patrimônio é vasto, que o ITCD já foi quitado, que não há risco de credores do falecido serem prejudicados, que é fundamental para a manutenção dela na faculdade a liberação do valor solicitado e que há concordância com a antecipação a ela por parte dos outros herdeiros.
Ela se anima. Diz que vai compartilhar com os irmãos a nossa conversa, pois um deles também está vivenciando dificuldades financeiras depois da morte do pai. Esse irmão administrava a empresa da qual o pai era sócio majoritário. Como já decidiram que será dissolvida a sociedade, uma outra pessoa, para dar transparência à liquidação do negócio, ocupou o lugar dele.
Ela se despede com um abraço. Agradece, reiterando que, em meio ao sofrimento pela perda do pai, está muito difícil lidar com as restrições financeiras. Se a questão financeira for resolvida, tudo ficará mais fácil. Também penso assim.