Opinião: Em união estável, está sendo prejudicada por dívida do companheiro

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Em união estável, está sendo prejudicada por dívida do companheiro
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Eles vivem em união estável há cinco anos. Há quatro, firmaram um contrato particular, estabelecendo o regime da separação total de bens. Ela havia proposto isso a ele, quando se deu conta de que a impulsividade e compulsão do companheiro em gastar era tanta, que poderia colocar em risco as finanças deles. Firmar o contrato deu mais segurança a ela, possibilitando que não se estressasse com o temor de se ver atingida pelas dívidas dele.

É que, na união estável, se não for escolhido pelo casal outro regime de bens e se isso não for formalizado em um contrato escrito, aplica-se obrigatoriamente a comunhão parcial de bens. Isso significa, entre outros aspectos, por exemplo, que, em caso de separação, tudo o que tiver sido comprado por um ou outro, durante a vigência da união, será dividido entre os dois, meio a meio.

Esse aspecto não a preocupava. O que lhe tirava o sono era saber que as dívidas, mesmo que contraídas apenas pelo companheiro, seriam compartilhadas, se ficasse comprovado que foram feitas em benefício da família. Como não conseguia fazê-lo parar de contrair empréstimos e de estourar o limite do cartão de crédito, ela sabia que, a qualquer momento, poderia ser acionada para o pagamento disso. Por isso, havia convencido o companheiro a firmar o acordo de separação total de bens.

Ela me conta que seu temor tinha razão de ser. Parece que estava adivinhando o que lhe aconteceria. Está, no momento, enfrentando uma situação muito constrangedora: bens de sua casa (produtos eletrônicos, eletrodomésticos e móveis) foram penhorados para quitação de uma dívida. Acontece que esses móveis foram todos adquiridos com recursos apenas dela. Quando o companheiro foi informado da penhora, ele a acalmou, pois bastaria eles apresentarem em juízo o contrato de separação total de bens. Assim, quando ela comprovasse que tinha adquirido sozinha os móveis, não ocorreria a penhora. Mesmo com essa explicação, ela ficou apreensiva, por isso me procurou.

Pergunto a ela se o contrato foi assinado pelos dois e registrado em cartório. Ela me olha, assustada, lembrando-se de que os dois assinaram o contrato, reconheceram suas assinaturas em cartório, mas não o registraram. Logo ela mesma procura acalmar-se, dizendo que irá ao cartório fazer esse registro, assim que terminarmos nossa conversa.

Digo-lhe que deve registrá-lo, sim, para evitar passar pela mesma situação futuramente, mas que, infelizmente, quanto àquela penhora já determinada pelo juiz, o contrato não a livrará. Ela poderá até apresentá-lo registrado nos autos, mas provavelmente a data de registro será notada e, sendo esta posterior à data de determinação da penhora, não terá o efeito de impedi-la.

O contrato escrito, com opção por outro regime de bens que não o da comunhão parcial de bens, tem efeitos prospectivos, isto é, vale diante de terceiros (por exemplo, os credores de seu companheiro) a partir de seu registro público. Se não for registrado em cartório, é um instrumento particular, de conhecimento limitado ao casal, servindo para resolver questões internas da relação deles na união estável. Para valer diante de terceiros, precisa ser elaborado por meio de escritura pública ou registrado no Cartório de Títulos e Documentos. Mais seguro é redigi-lo por escritura pública em Tabelionato de Notas.

Se não é feito por escritura pública nem registrado em cartório, não se deu publicidade a ele, portanto não pode ser usado como argumento para ela se opor à penhora. Ele não tem efeito externo à união estável, o que significa que não a protege de ser cobrada por dívida que o companheiro dela assumiu, pois, efetivamente, o regime que será considerado será o da comunhão parcial de bens.

No caso dela, quando a penhora ocorreu, o contrato ainda não tinha sido registrado. Se tivesse sido registrado antes da determinação da penhora, aí, sim, os bens móveis que só pertencem a ela não seriam usados para quitar uma dívida contraída apenas pelo companheiro dela.

Ela me diz que vai insistir em se defender, alegando que tinha um contrato em que os dois haviam optado pela separação total de bens. A seu ver, não é possível que o juiz não lhe dê razão. Comento que não se trata de o juiz lhe dar ou não razão. O que será observado é se o que ela alega em defesa encontra respaldo na lei. A data de registro do contrato (se foi anterior ou posterior à determinação da penhora) influencia diretamente o julgamento do caso.

Porém, também lhe digo que a defesa é um direito seu. O importante é que esteja ciente de que pode advir do processo, de acordo com as circunstâncias do caso, uma decisão que não lhe seja favorável. Prefiro, como advogada, deixá-la a par disso.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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