Opinião: Filhos têm a obrigação legal de cuidar dos pais

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Filhos têm a obrigação legal de cuidar dos pais
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Minha amiga é pessoa de bom coração. Condói-se com o sofrimento dos outros e sempre procura ajudar nas situações que lhe são apresentadas. Nessa sua prática de solidariedade, alguns a julgam invasiva e inconveniente. Ela se pronuncia, sem reservas, onde muitos se omitiriam, resguardados pelo cômodo manto do “Esse problema não é meu.”, do “Não posso me meter em algo que a família é que deve resolver.”

Penso que ela, na verdade, recebeu uma graça: a de não ser contaminada pelo respeito humano, algo que o mundo civilizado ensina como positivo, mas que, segundo a visão cristã, é um pecado, pois é sinal de que estamos mais preocupados com o que pensam de nós do que com aquilo que é urgente fazer pelo outro. O respeito humano está na origem de muitas omissões.

No seu afã de ajudar, minha amiga acaba envolvendo a todos nós, que fazemos parte de seu círculo. De certa maneira, somos gratos a ela por nos proporcionar essa oportunidade.

Hoje, ela vem me relatar sua preocupação com uma vizinha idosa que foi diagnosticada com mal de Alzheimer. Está muito incomodada com a atitude das três filhas dessa senhora. Mesmo vendo que o salário mínimo recebido pela mãe, como aposentada, é insuficiente para custear suas despesas mensais, elas não se mobilizam para contribuir com o valor complementar. Nem mesmo a filha que reside com ela se dispõe a contribuir financeiramente para ofertar-lhe um atendimento digno.

Por causa da demência progressiva causada pela doença, foi preciso requerer judicialmente sua interdição, da qual resultou a nomeação de um irmão como seu curador. Por estar incapacitada de manifestar a própria vontade conscientemente devido à doença, essa medida foi necessária para cuidar da proteção dos interesses dela.

Em uma visita à pobre senhora, percebeu as condições precárias em que ela está vivendo. Imediatamente procurou o irmão dela e questionou-o. Afinal, não era ele o responsável por cuidar dos interesses da irmã doente? Ele lhe disse que já havia tentado, várias vezes, sensibilizar as três sobrinhas e convencê-las a contribuir com um valor mensal para cobertura das despesas, porém, infelizmente, não alcançara êxito nisso. Disse que ele próprio não conseguia ajudar, pois vivia apenas com seu salário de aposentado.

Minha amiga, inconformada, quer encontrar um meio de fazer as filhas ajudarem a mãe. Pergunta-me se há maneira de as obrigarem a isso.

Respondo-lhe que há, sim. Legalmente, os filhos têm o dever de cuidar dos pais quando estes não têm mais energia para cuidar do próprio sustento. A Constituição brasileira assegura o direito das pessoas idosas ao amparo, de forma que vivam com dignidade e bem-estar.

O irmão poderá, sendo o representante legal da senhora, propor uma ação judicial de alimentos. Ele terá de juntar ao processo documentos que comprovem os gastos mensais dela, como notas fiscais e recibos de pagamento a algum(a) cuidador(a), se houver. Com base nessas despesas e no valor que falta completar para o custeio delas, definir-se-á quanto será requerido a cada filha. Uma possibilidade, por exemplo, é requerer que cada uma contribua mensalmente com um percentual do salário mínimo.

“O juiz dará o que for pedido?” – minha amiga pergunta.

Respondo-lhe que certamente as filhas contestarão o pedido. O Juízo, então, analisará as provas juntadas ao processo, tanto pela senhora quanto pelas filhas, avaliará se o valor é mesmo devido e se elas têm condições de prover uma pensão alimentícia à mãe. Serão analisadas, de um lado, as possibilidades econômicas delas, e, de outro, as necessidades da mãe. É que, pela lei, a pensão alimentícia deve ser fixada observando-se as necessidades do reclamante e os recursos da pessoa que tem a obrigação de pagá-la.

Caso não se conformem com o valor estipulado em Juízo, elas poderão recorrer contra a decisão, alegando que o valor fixado prejudica o sustento de cada uma, mas  terão de provar o que alegam. Terão de comprovar que suas despesas não permitem assumir o valor determinado. Se conseguirem essa prova, a quantia poderá ser readequada, de modo que fique equilibrada a obrigação.

Minha amiga me pergunta se é possível processar apenas a filha que tem maior poder aquisitivo. Digo-lhe que sim. O idoso pode optar entre aqueles que têm a obrigação de pagar a pensão alimentícia. Depois, caso queira, essa filha que passará a arcar com a obrigação poderá ajuizar uma ação contra as irmãs, reclamando delas parte do valor que tiver despendido.

Satisfeita com o que houve, minha amiga se apressa em sair. Sei para onde se dirige. O irmão da sua vizinha idosa que a aguarde.

 

 

  Maria Lucia de Oliveira Andrade

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