Opinião: O Desencontro

Ana Dulce Pamplona Frade (de Formiga)

Opinião: O Desencontro
Ana Dulce é membro do Clube Literário Marconi Montoli




O apito da Maria Fumaça quebrou a quietude da estação de Formiga. Pombos que ciscavam nos trilhos revoaram em barulhento bater de asas.

Da chaminé da gigante de ferro saiu a grossa fumaça que coloriu o céu de cinza. Os freios chiaram e lentamente, a máquina foi diminuindo sua marcha até parar.

Surgiu um homem na porta do primeiro vagão. Maleta marrom na mão esquerda, a outra na aba do chapéu panamá. Barba bem feita, bigode bem aparado, terno branco de linho engomado. Tira o relógio do bolso da calça para conferir as horas. Olha para um lado, olha para o outro. A pessoa esperada na estação não estava. Sem a presença de Marta Gisele o homem franziu o cenho. Desceu inseguro os degraus do trem e parou. Suspirou decepcionado, olhou mais uma vez para os lados e andou.

Onde estaria Marta Gisele? ─ pensou abalado. Perdera a hora, o compromisso, a lealdade? Não saberia dizer. Não conhecia bem o coração das mulheres, muito menos o de Marta Gisele. Mulher misteriosa, envolta em glamour. Um diz que me diz, um faz que não faz, sem sim e sem não. Mistério...

O homem andou pela estação. Olhos ansiosos procurando a dona daquela beleza que o enfeitiçara. Aguçou os ouvidos: quem sabe escutaria o timbre aveludado daquela voz que o envolvera em doce enlevo. E o perfume? Aquele aroma o enfeitiçara, por isso as narinas se abriram como um animal farejando a caça.

Andou, andou, andou. Andou por todos os lados examinando cada pessoa e cada canto atentamente. Chegou sorrateiro até o banheiro feminino ─ nada de Marta Gisele.

O cavalheiro examinava novamente o relógio de bolso, quando ouviu o apito da máquina, que já estava partindo daquela parada. Olhando ainda uma vez mais para os lados, apressou-se e subiu os degraus.

Permaneceu de pé na porta do vagão, ainda procurando a amada. O trem iniciou sua marcha de forma lenta e foi aumentando seu ritmo, enquanto o coração do homem desacelerava, como se suas esperanças fossem ficando no pátio da estação.

O trem foi seguindo, seguindo, apitando desesperado e sumiu. Agora, de longe, só se via a grossa fumaça cinza colorindo novamente o céu. Parecia o fechamento perfeito para mais um dia frustrado para aquele peito oprimido e sem vida.

E em algum lugar dessas Minas Gerais, descansava incólume uma lápide empoeirada com a inscrição: AQUI JAZ MARTA GISELE DE ALCÂNTARA MACEDO.