Opinião: O Reino dos Morangos – Parte 2

Ana Pamplona (de Formiga)

Opinião: O Reino dos Morangos – Parte 2
Ana Pamplona é membro do Coletivo Poesia de Rua




Tudo certo. Não estava. A mãe parecia muito ocupada em seus diversos afazeres, então a menina poderia ocupar-se com os seus próprios e agora, ela prosseguiria à vistoria ao canteiro dos morangos.

Colocou os delicados pezinhos na terra. Estava perigosamente seca! Correu para buscar a mangueira e regar as delicadas plantas. Elas agradeceram com muitos sorrisinhos aliviados. 

Terminada a rega, a Menina examinou cada pezinho. Alguns estavam somente com folhas, mas muito verdes e saudáveis. As formigas danadas gostavam de picotar as folhinhas inocentes; entretanto, naquele momento estavam longe da plantação. Ela ficava imaginando se o picote nas folhas doía como as picadas das formigonas na sua pele. Pobre Reino dos Morangos! Cheio de perigos! Ainda bem que as Joaninhas sempre estavam por perto. As pessoas achavam que elas comiam as plantas, mas a Menina sabia que não: elas comiam os bichos que comiam as plantas. Ela teve tanta pena das pobres Joaninhas injustiçadas...

Nos canteiros mais altos algumas plantinhas já estavam floridas! Eram mais velhas. Que espetáculo era ver aquelas joias branquinhas, cujos miolos amarelos logo se desenvolveriam em frutos; a princípio, amarelos, depois esbranquiçados e aos poucos iam sendo coloridos de vermelho intenso, da ponta à base. Era lindo ver aquela transformação! Outro mistério: quem os coloria tão lindamente e colocava tanta gostosura naquelas obras primas? Quando à noite, sentados no sofá, perguntava sobre isso ao Pai, ele respondia desviando os olhos do jornal para ela:

 — Deus. — (ponto final, parecia que a conversa havia acabado e ele voltava os olhos para o jornal)

— Mas ele é invisível? a Menina perguntava — Porque não o vejo lá pintando “meus” morangos... (e ele respondia novamente, desviando os olhos do jornal para ela):

— Sim. Ele é invisível. (ponto final; nesse momento ele balançava o jornal e continuava olhando para ela)

Hummm... ela sabia que era hora de parar de perguntar. Deveria ser verdade, porque seu Pai não mentia. Muito bem, então era verdade e Deus era um ótimo pintor, por sinal. E uma ótima pessoa para temperar morangos.

Pensando nisso, a Menina subiu na ponta do pé para mais uma última olhada panorâmica. Tudo certo. Mas... o que era aquele pontinho branco num canteiro mais à direita? Parecia estar vendo um morango... Foi até lá com cuidado, pisando entre uma touceira e outra para não machucar os amiguinhos. E não é que era mesmo? Ah, que lindeza, eram três moranguinhos muito crianças e verdes ainda. Agachada ao lado deles, teve desejo de comê-los. A boca salivou ao pensar no azedume que deveria estar! Mas desistiu. Certa vez fizera isso, e à noite sonhou com o guardião daquele reino. Ele lhe chamara a atenção por não deixar as frutinhas amadurecerem! E lhe perguntou: 

— O que é você, afinal? Benfeitora ou malfeitora de morangos?

Nunca mais comeu morangos verdes, por mais que gostasse. Era benfeitora e pronto! Então abençoou aqueles bebês para que Deus os pintasse logo de vermelho e ela pudesse comê-los antes que o Irmão ou outro invasor os achasse.

Feito isso, era a hora da melhor parte: deitar de costas num canteiro — especialmente reservado para aquela finalidade — com o livro de Monteiro Lobato nas mãos. Ele era pesado para os magros bracinhos, mas ela aguentava. Não podia esperar mais para saber como Narizinho estava no Reino das Águas Claras! Desta forma, deitou-se cuidadosamente na terra por entre alguns dos pezinhos de morangos. Eles ficavam apertados e até um pouco amassados, mas pareciam gostar daquilo. Ela sentiu-se abraçada. Que maravilha eram aqueles amigos! Lia, lia, lia, até os braços doerem. Quando então, era obrigada a fechar o livro e colocá-lo no peito, lamentando ter que deixar a leitura para o outro dia. 

Mas não havia problemas, porque agora viria a “outra melhor parte”: observar a dancinha das nuvens no céu! Com a mão protegendo os olhos do sol, divertia-se assistindo aqueles flocos de algodão formarem figuras de gente, de bicho, de coisas e até de números! Naquele dia, uma nuvenzinha estava vestida de elefante! Grande, grande, com a tromba bem altiva, o elefante flutuava... quando de repente, começou a desmanchar... Normal. Era assim mesmo, todos os dias. Mas um elefante aparecer voando era raro! A Menina sorriu pensando no peso do bicho e o quanto deve ter sido difícil para a nuvenzinha segurá-lo por alguns instantes (seria por isso, que muitos anos depois, a Menina fez um poema chamado “O Elefante”?).

Devaneava ainda, observando a nuvem agora, transformar-se em uma flor estranha, quando, de repente, ouviu um grito! Assustou-se. Era a Mãe lhe chamando: 

— Vem almoçar e arrumar-se para a escola! Rápido!!!

A Menina deu um tempo para o coração disparado voltar ao normal. Que pena! Faltaram tantas coisas a fazer no Reino dos Morangos! Ficaria para o outro dia: folhear o grande atlas de capa preta com a foto da Lua, costurar e trocar as roupas das bonecas, enfim... lamentou mais uma vez não ter a cola das Lagartixas para escalar a parede.