Opinião: ‘Solução para bigodes’

Ana Pamplona (de Formiga)

Opinião: ‘Solução para bigodes’
Ana Pamplona é membro do Coletivo Poesia de Rua




“Barbearia do Tóim”, dizia a placa branca em grandes letras pretas, com um pitoresco desenho de uma tesoura e uma navalha cruzadas. Para completar a ideia publicitária, os dizeres: “aqui você entra como o homem das cavernas e sai como um cavalheiro”.

Palco das melhores conversas acontecidas na linda cidade de Formiga, a Barbearia do Tóim era famosa, não só pela simpatia, destreza e habilidades de seu dono —  o Antônio Manso Pacífico, barbeiro por profissão e exímio violeiro — bem como pela turma que a frequentava, nem sempre interessada em cortes de cabelo e cuidados com barba e bigode. O motivo pelo qual se entrava através da minúscula porta era irrelevante. O Tóim sempre dizia: “o importante é a turma ficar satisfeita e alegre”. Com efeito: o que mais se fazia ali era dar boas risadas e contar casos. 

E diga-se: o lugar era bem frequentado. O dentista Dr. Toletinho, o Padre Vítor, o Piaba, Dedé engraxate, Carlinhos contador, Zé Merenda vereador e muitos outros, a maioria homens. Raramente entravam mulheres, exceto para levarem filhos pequenos para o corte de cabelo.

O cômodo era terrivelmente pequeno e antigo, mas isso não importava, todo mundo se acomodava como podia. Tóim era um verdadeiro comunicador. Contava e ouvia casos, enquanto cortava os cabelos e cuidava da barba dos fregueses. Costumava dizer que a turma frequentava ali em “turnos”. Os principais eram o das 9h e o das 15h. havia também o das 18h, do pessoal que saía do trabalho e dava a tradicional passadinha no Tóim. A Barbearia era como um jornal vivo onde rolavam todos os assuntos atuais e antigos, também os futuros. 

Nos períodos eleitorais a barbearia fervia. Candidatos e eleitores se encontravam por ali e era tanta conversa fiada, que o lugar fazia jus à fama de quase toda barbearia: um tipo de jornal vivo, espaço onde mais se contam mentiras no mundo, depois das pescarias, é claro. Houve alguém que até pediu ao Tóim para impedir a distribuição de “santinhos” dos candidatos no local. A situação estava insuportável. Para tentar controlar, o barbeiro teve a ideia de montar um painel para os candidatos fixarem suas propagandas. Ao invés de distribuir os papéis com a propagando eleitoral, os candidatos entregariam diretamente a ele para fixar no referido. Assim o fez. Daquela forma agradaria a quem estava reclamando e também, aos amigos politiqueiros.

O painel político ganhou fama na cidade, a ponto de muitas pessoas entrarem no estabelecimento só para visitá-lo. Não se sabia ao certo se o interesse dos visitantes era conhecer os candidatos ou divertirem-se com os nomes exóticos e as fotos pitorescas. O movimento era intenso e com isso aumentou muito o serviço do Tóim. Precisou até trazer seu filho George para auxiliá-lo. O garoto não era muito bom em nada, mas quebrava um galho. 

Certa manhã, Tóim abriu as portas da barbearia e os fregueses iam entrando e saindo. Estava lá a “turma das 9h” comentando casos, fazendo apostas, quando entra uma moça conhecida. Pediu para falar com o Tóim Barbeiro. Em particular. A turma foi saindo de um a um para dar privacidade.

—  Seu Tóim, sou a Maria do Bigode, lembra de mim? Vim aqui reclamar que o seu painel político não está bem cuidado. Olhe o que fizeram com meu “santinho” — disse apontando para sua foto que estava fixada na galeria dos candidatos.

Tóim ajeitou as lentes multifocais no nariz e focou o painel. A foto da moça havia sido alterada com um belo e farto bigode feito a caneta azul, por algum engraçadinho que entrara na barbearia. “Quem teria feito aquilo?” perguntou.

—  Não sei, seu Tóim — respondeu a candidata fazendo cara de enfado. Possivelmente alguma concorrente despeitada. Provável seja a Lôra da Farmácia. Ela sempre me ataca na propaganda eleitoral no rádio.

O velho barbeiro não sabia o que dizer. Mas como era muito espirituoso, respondeu:

—  Uai, Maria, qual o problema? Creio seja positivo para sua campanha. “Maria do Bigode com bigode” é mais coerente, não?

—  Não, Seu Tóim, sou a Maria do Bigode, porque sou esposa do Bigode. Não quer dizer que eu tenha bigode! —  disse ela um tanto sem paciência.

—  Ah sim! Me desculpe, Maria, vamos resolver trocando o santinho adulterado por um novo. Tem um aí para me dar?

—  Não, Seu Tóim, o partido fez poucos santinhos, os meus já acabaram.

O barbeiro a tranquilizou dizendo que poderia ir embora, pois, ele mesmo iria resolver a situação.

Chamou o George, expôs a situação. O que fariam?

A situação foi resolvida aplicando um corretivo sobre o dito cujo. Apagou-se o bigode da Maria do Bigode. Mas o Tóim podia jurar que tinha visto bigode na cara da candidata. E olha que ele estava com óculos e tudo...