Opinião: Os herdeiros querem a quitação do financiamento feito pela falecida

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Os herdeiros querem a quitação do financiamento feito pela falecida
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Os três chegam ao escritório pontualmente. Não os conheço, por isso converso um pouco com eles, tentando encontrar pessoas em comum em nosso relacionamento. Logo consigo identificar pessoas da família deles. Pergunto-lhes o que os traz a mim.

Relatam que a mãe deles faleceu. Dizem-me que a dor da perda se intensifica pelo fato de ela ter falecido cerca de dois anos após adquirir a casa própria. Estão pesarosos: ela aproveitara tão pouco essa conquista tão significativa para ela! Fizera tantos sacrifícios para conseguir a quantia para o sinal de entrada da compra!

Depois de muitas idas e vindas à instituição bancária e ao cartório, para que lhe fosse autorizado um financiamento habitacional, finalmente recebeu as chaves de sua casa. O financiamento a obrigaria a cumprir, por vinte e dois anos, a obrigação de pagamento de prestações mensais, mas isso não diminuía em nada a alegria dela. Era muito bom ver o quanto se orgulhava de ter conseguido realizar seu sonho.

Estando já na fase terminal do câncer que a acometeu, ela os chamara e lhes dissera que, quando viesse a falecer, deveriam procurar o banco, pois o contrato de financiamento tinha um seguro para caso de morte do mutuário (Mutuário é aquele em nome de quem é feito o financiamento e que se responsabiliza por pagá-lo.). Esse seguro, com o falecimento dela, permitiria que o saldo devedor fosse todo quitado.

Assim, quando ela faleceu, foram até o banco e apresentaram a certidão de óbito para comprovar que o seguro deveria ser aplicado. Lá foram orientados a fazer esse pedido por carta e a manter o pagamento das prestações do financiamento até que obtivessem uma resposta.

. Assim fizeram. Passaram-se dois meses, e a resposta não veio. Voltaram a procurar a agência bancária, que lhes disse que a matriz é que lhes daria a resposta. Passou-se mais um mês. Finalmente, chegou a resposta, que foi negativa. A alegação foi que não apresentaram o contrato do financiamento.

Dizem-me que não aceitam essa justificativa para negar a quitação do saldo devedor, pois o próprio banco tem o contrato. Basta que este o busque em seus arquivos. Estão preocupados, pois não têm como arcar, por mais tempo, com o pagamento das prestações. Por isso, querem ajuizar uma ação contra a instituição bancária.

Esclareço que, de fato, a justificativa da negativa por não apresentação do contrato cairá facilmente por terra caso seja alegada em juízo. Quanto à aplicação o seguro, é fundamental que eles tenham como comprovar que a mãe deles não tinha a doença à época da assinatura do contrato.

Em contratos que preveem essa cobertura, geralmente existe uma cláusula que deixa claro que faz jus à quitação do saldo devedor aquele mutuário que morrer, qualquer que seja a causa, por acidente ou doença. Porém, isso não aplica se a morte se dá por acidente ou doença ocorridos antes da data da assinatura do contrato de financiamento habitacional. Se a doença já existia nessa data, se a mãe tinha conhecimento dela, mas não declarou isso na proposta de contratação, não será possível contar com a cobertura do seguro.

Eles me dizem que têm todos os exames feitos pela mãe. Ela era perfeitamente saudável quando assinou o contrato. Aquele que trouxe a notícia sinistra do diagnóstico de câncer maligno data de um ano após a contratação.

 Explico que se aplica aos contratos bancários o Código de Defesa do Consumidor. De acordo com esse Código, cabe à parte requerida a obrigação de provar o que alegar. Portanto, o banco terá de apresentar provas, se alegar que a doença era anterior à contratação, e provas de que a mãe deles, ao não informar isso, agiu de má-fé. E, pelo que eles me dizem, não haverá como comprovar essa alegação.

Acrescento uma informação muito importante: existe um entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que “a recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado”. Se o banco não exigiu tais exames da mãe deles antes de ela assinar o contrato, não pode negar a cobertura do seguro, apenas argumentando que a doença já existia à época. Esse entendimento será, inclusive, fundamento para que peçamos, na ação judicial, indenização por dano moral. Nesse tipo de negativa, o dano moral é presumido, isto é, não precisa ser provado.

Eles me perguntam se lhes será devolvido o valor correspondente às prestações que pagaram ao banco após a morte da mãe. Sim, incluiremos, na ação judicial, o pedido de que o banco restitua o valor relativo a essas prestações mensais, devidamente atualizado desde a data do pagamento.

Despedem-se, demonstrando satisfação e alento. Estão felizes porque a Justiça tem meios de os ajudar a preservar a casa que a mãe tanto lutou para comprar.