Opinião: Herdeiro pode ajuizar ação de indenização por dano moral ao falecido

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Herdeiro pode ajuizar ação de indenização por dano moral ao falecido
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Já fazia um mês que o pai havia falecido, quando chegou uma carta, na qual a empresa Serasa comunicava a negativação do nome dele devido a uma dívida em aberto referente a um empréstimo consignado que ele havia feito. Era um homem tão controlado em relação às próprias finanças que ela estranhou o fato de ele ter feito tal empréstimo. Então, procurou o banco para se inteirar do assunto.

Fez isso primeiramente pela central eletrônica de atendimento, tomando o devido cuidado de anotar o número do protocolo da ligação. Foi-lhe informado que, de fato, constava o empréstimo feito e que a dívida chegava a quase dois mil reais. Procurou saber a data da operação e constatou que nela o pai estava internado no hospital, onde ficara por mais de um mês antes de falecer. Não podia ter sido ele a fazer o empréstimo. A atendente orientou-a a procurar pessoalmente a agência bancária em que o pai dela tinha conta. Assim fez.

Segundo o gerente, não havia nada de irregular na operação porque o contrato fora assinado pessoalmente pelo pai dela. Ela voltou a afirmar que não podia ter sido ele a assinar o documento, porque, na data de assinatura, estava internado. O gerente não deu ouvidos ao que ela afirmava, alegando que a assinatura constava no contrato.

Inconformada, em lugar de voltar para casa, fora direto a uma lan house e registrou uma reclamação no site consumidor.gov.br. Dez dias passados, a resposta do banco permaneceu a mesma, fundamentada na assinatura do contrato.

Diante disso, não viu alternativa senão buscar a via judicial.

Depois de ouvi-la, digo-lhe que percorreu o caminho correto: primeiramente, tentou resolver o problema pela via administrativa, isto é, procurou direto o banco em busca de solução. Quando viu que suas razões não foram levadas em conta, registrou sua reclamação no site consumidor.gov.br. Ao mesmo tempo, cuidou de guardar o número de protocolo do atendimento prestado pela central do banco e a cópia das mensagens referentes à reclamação por meio do site. Tínhamos, portanto, documentos importantes para demonstrar que tentou, das formas existentes ao seu alcance, resolver a questão.

Pergunto-lhe se sua mãe é viva e se ela tem irmãos. Ela me conta que tem dois irmãos e que a mãe é viva, sim. Então, explico-lhe que ela, os irmãos e a mãe poderão ser os autores de uma ação de indenização por danos morais em nome do falecido. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o direito à indenização por danos morais transmite-se aos herdeiros, que podem ajuizar ou prosseguir com uma ação indenizatória.

Procuro saber se ela tem cópia do relatório médico fornecido pelo hospital em que o pai ficou internado. Ela me diz que sim. Diz estar claro nele que, na data constante do contrato do empréstimo consignado, ele estava internado. Portanto, houve uma fraude nessa contratação. Acrescenta que o pai saiu do hospital cerca de quinze dias após; infelizmente, morto.

Comento que o comunicado da Serasa dizia respeito a uma dívida contraída pelo pai dela por meio de um empréstimo consignado que ele não contratou. Se alguém conseguiu contratar esse empréstimo em nome do pai dela, o banco falhou, pois tem a obrigação de zelar pela segurança de seus sistemas e de seus procedimentos, de modo que o cliente, que é seu consumidor, não seja prejudicado. Quando terceiros cometem fraudes e delitos no âmbito das operações bancárias (por exemplo, usam documentos falsos para abrir conta corrente, receber empréstimos, etc.), sem nenhuma participação do cliente, a Justiça entende que isso se deu devido a um serviço defeituoso prestado pela instituição bancária, portanto recairá sobre esta a responsabilidade de indenizar aquele que foi lesado.

A negativação indevida do nome do pai dela viola um direito personalíssimo, que é o da honra, e isso configura dano moral. Dessa violação, advém a obrigação de indenizar o ofendido. “Mesmo que o valor do empréstimo tenha sido, de fato, depositado na conta de meu pai, existe esse direito de pedir indenização?” – ela me pergunta. Digo-lhe que sim, pois o ilícito foi gerado pela contratação de um empréstimo que não foi o pai dela quem fez. Ocorreu uma fraude envolvendo os dados bancários dele, e isso levou à inscrição de seu nome no cadastro de inadimplentes.

Se o valor foi mesmo depositado na conta dele, terá de ser devolvido ao banco. Geralmente, o que se tem observado é que, na sentença, o Juízo determina que o valor seja descontado do montante da indenização obtida, se, esta, evidentemente, for superior ao empréstimo indevido feito.

Quando ela se vai, fico pensando na importância de ouvir o outro. Há um grande número de ações judiciais que lotam o Judiciário apenas porque alguém falhou na escuta do outro. Não poderia o gerente do banco ter dedicado um tempinho à análise do que lhe estava sendo dito?

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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