Opinião: Pacto envolvendo herança de pessoa viva é nulo

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Pacto envolvendo herança de pessoa viva é nulo
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




É muito comum acontecer o que ela está me relatando. Quer adquirir um imóvel, mas não tem a quantia suficiente. Por isso, teve uma ideia: pedir ao pai que lhe adiante a parte que lhe caberá como herança em caso de falecimento dele. Conversou com ele e os dois irmãos. A mãe dela já faleceu. Os três concordaram em lhe antecipar o valor, desde que isso seja formalizado em um contrato.
Chamaram um corretor e fizeram uma avaliação da casa que seria o único bem a ser partilhado, quando o pai falecesse. Definido o valor, calculou-se a cota-parte que caberia a ela.
O que ela quer é que eu redija o contrato que formalizará essa negociação entre eles, no qual ela deverá dar plena e geral quitação de sua parte na herança, transferindo aos outros irmãos herdeiros os direitos referentes à casa. De acordo com esse documento, ela não terá nada mais a receber.
Digo-lhe que o que ela me descreve é um pacto sucessório, que, da forma como está querendo, é um negócio jurídico proibido em lei por se tratar de contrato sobre herança de pessoa viva. Trata-se de um pacto conhecido como pacto corvina: como o corvo, que fica à espreita da morte de quem será seu alimento, os herdeiros, antes da morte de quem lhes deixará a herança, já começam a negociá-la. Porém, só existe herança depois que a pessoa falece.
Se esse pacto vier a ser feito, ela, o pai e os irmãos precisam saber que ele será considerado nulo. Não terá validade porque diz respeito à herança de pessoa viva.
“Mesmo se reconhecermos firma em cartório?” – ela me pergunta. Sim, mesmo com firma reconhecida em cartório, o pacto será considerado nulo.
Ela está buscando antes a informação e agora já sabe do risco de nulidade. Quando alguém faz um pacto sucessório desses e não tem conhecimento de que poderá ser considerado nulo, aplica-se um artigo da lei civil que permite que ele passe a ser um contrato de doação, que é um adiantamento de herança.
Isso, sim, é o que sugiro que façam. O pai tem direito a tomar decisões quanto aos bens que lhe pertencem. Portanto, pode doar algum bem seu. Ao fazer a doação, que pode efetivar-se por meio de contrato particular ou escritura pública, o que, de fato, estará fazendo é o chamado adiantamento de legítima, uma antecipação da herança.
Como a doação pode afetar a parcela da herança dos irmãos, eles terão de dar seu consentimento para que ela ocorra. Caso não se providencie esse consentimento, eles poderão, se prejudicados, requerer a anulação dela.
Quando o pai vier a falecer, ela deverá trazer a doação à colação, isto é, informar o valor recebido, correspondente a essa antecipação, para que seja igualada a herança (legítima) entre todos os herdeiros. Assim, assegura-se que nem ela nem os irmãos saiam prejudicados. Se o valor que o pai lhe tiver doado for maior do que aquele que cabe aos irmãos, ela deverá repor a cada um a diferença, de modo que os três recebam igual parte da herança.
A doação tem vantagens; entre elas, estas: o bem é transmitido imediatamente a quem o recebe, não dependendo do falecimento de quem doa; as despesas com a transferência do bem são menores do que as que ocorrem no inventário; o doador pode estipular condições para que a doação se cumpra.
Ela me pergunta se, na doação, é preciso pagar o ITCD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) e quem é o responsável por seu pagamento. É preciso, sim, pagar o ITCD.  Em regra, a alíquota é de 5% sobre o valor de mercado do bem transmitido. Também em regra, quem assume o pagamento desse imposto é a pessoa que recebe o bem doado. O pagamento é feito antes da lavratura da escritura pública, ou quinze dias contados da assinatura do contrato, se for essa a forma escolhida. Se ela não o pagar, aí quem ficará responsável por isso é o doador.
Percebo que ela sai preocupada quanto a esse valor a pagar, mas é algo de que não pode fugir. Vai conversar com o pai e os irmãos e deixá-los a par do que eu expliquei a ela. Tomara que optem pela doação, evitando realizar negócio passível de nulidade.



Maria Lucia de Oliveira Andrade
maluoliveiraadv201322@gmail.com