Opinião: Registrou o filho dela, mesmo não sendo seu, mas se arrependeu

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Registrou o filho dela, mesmo não sendo seu, mas se arrependeu
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Ela se tornou mãe aos dezenove anos, jovem demais para compreender todas as implicações da maternidade. Moradora de uma cidade pequena, foi hostilizada pela família, por isso teve de se desdobrar sozinha para criar o filho. Nunca revelou a ninguém o nome do pai da criança. Na certidão de nascimento, o nome dele foi omitido.

Mudou-se de cidade e foi para a capital, conseguindo um emprego como empregada doméstica. Sua sorte é que o patrão concordou em que ela ocupasse o barracão dos fundos da casa, podendo, dessa forma, combinar o trabalho e os cuidados com a criança.

Quando o filho completou dois anos, ela conheceu o porteiro do prédio vizinho à casa em que ela trabalhava. Ele era separado da esposa há mais de cinco anos, com quem tinha duas filhas pré-adolescentes.

Passaram a conversar, depois a namorar. Ele tinha um jeito todo especial para lidar com crianças, e o filho dela logo viu nessa figura masculina o pai que não tinha. Isso contribuiu para que ela se abrisse para viver um novo relacionamento, apesar de ter prometido a si mesma que seu foco, depois da gravidez não planejada, seria a criança.

Foram morar juntos, constituindo uma família. Ele e o menino se davam muito bem. Estavam sempre juntos, brincando, jogando futebol, andando de bicicleta. Participava dos eventos da escola como pai presente e atuante. Depois de um ano morando juntos, ele quis registrar o menino como seu filho, assumindo a condição de pai biológico. Mesmo sabendo que isso poderia ter consequências criminais, pois é ilegal registrar como seu um filho que não o é, decidiram abreviar o caminho, fazendo uma adoção ao jeitinho brasileiro.

Tudo poderia ter seguido bem, mas a vida dá voltas e, muitas vezes, em algum desses volteios, algo se rompe. Seu companheiro, depois de oito anos juntos, confessou a ela que havia decidido voltar para a ex-mulher. Estava muito incomodado com o fato de não participar da vida das filhas, em um momento de grandes dificuldades enfrentadas por elas. Sentia-se culpado. Ela achou estranha aquela conversa. Logo o estranhamento se tornou constatação: ele voltara a se envolver com a ex-mulher em uma das visitas feitas às filhas, e, em decorrência disso, ela ficara grávida.

A separação veio a ser dolorosa para ela, mas muito mais para o filho. O companheiro, além de optar pela separação, ajuizou uma ação negatória de paternidade combinada com anulação de registro, alegando que foi induzido a erro por ela, tendo registrado o menino porque pensou que fosse seu filho biológico. Ela soube que ele está agindo assim porque, para aceitá-lo de volta, a ex-mulher lhe exigiu isso, temerosa de que o menino concorresse com as filhas dela a algum bem ou benefício.

A negação de oito anos de afeto entre ele e a criança, assim como a afirmação de que ela agira com falsidade com ele foram um baque para ela. Nunca ocultara nada de sua história para ele. O patrão dela era testemunha disso. Ela só conheceu o companheiro quando a criança tinha dois anos. O carinho demonstrado ao filho dela era apenas aparente? Ele se separar dela era algo que ela poderia aceitar, mas ver o filho sendo rejeitado, não.

Esse é o seu drama. É isso que me conta, querendo saber como se defenderá diante dessa ação ajuizada por ele.

Explico-lhe que, para essa ação ser considerada procedente pelo Juízo, o ex-companheiro dela precisará apresentar provas de que ela agiu com falsidade e que, por isso, foi levado a cometer o erro de registrar a criança, assim como precisará comprovar que não existe vínculo biológico nem vínculo socioafetivo entre ele e a criança.

Pelo que ela me relatou, no processo ficará comprovado por um exame de DNA que o menino não é filho biológico dele – essa é, certamente, uma prova que ele exibirá. Por outro lado, também pelo que ela afirma, será possível identificar testemunhas que declararão que ele sabia muito bem que o menino era filho de outra pessoa quando decidiu registrá-lo, assim como que há vínculo socioafetivo entre eles. Ela precisará levantar evidências da participação ativa dele na vida da criança, por exemplo, presença em reuniões escolares.  

Uma prova que pode ser requerida também é o estudo social, para que seja conhecida a realidade do núcleo familiar, do qual resultará um laudo que dirá se ficou evidenciado o vínculo socioafetivo entre o ex-companheiro e a criança. Será muito importante que fique comprovado esse vínculo, pois ele, nos julgamentos, tem prevalecido sobre a paternidade biológica. Levando em conta o direito da criança de ter preservada sua condição de filho socioafetivo do ex-companheiro, é provável que seja negado o pedido de exclusão do nome dele do registro de nascimento do menino.

Combinamos de produzir sua contestação ao pedido dele.

Quando ela se vai, fico pensando que, embora se preserve, no registro, o nome do ex-companheiro como pai, chegará a hora em que o filho dela tomará consciência de que foi rejeitado. Se for profundo o amor que desenvolveu por esse pai, conseguirá avaliar as circunstâncias e compreender sua fraqueza ao ceder a uma chantagem, deixando de lado uma criança que, por um tempo, foi tão feliz por ser sua! Se não conseguir, será mais um adulto carregando o vazio provocado pela rejeição.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com