Opinião: Penalizado por dívida contraída pela esposa

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Penalizado por dívida contraída pela esposa
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Ele é meu amigo e inicia sua conversa, pedindo que eu mantenha sigilo sobre tudo o que vai me contar. Tranquilizo-o – é claro que manterei sigilo. Não é assim que fazem os advogados e advogadas com os casos que lhes são relatados? Muito mais fará um amigo a quem se pede sigilo.

Conta que sua esposa está enfrentando dificuldades financeiras. Fico surpresa com a informação, pois ela sempre aparenta estar muito bem. Sei que, informalmente, vende roupas e por isso se veste com elegância, mantendo-se na moda.

Ele diz que a situação financeira da esposa está afetando a administração da casa deles porque ambos sempre trabalharam e assumiram conjuntamente as despesas. Em um primeiro momento, a redução do poder aquisitivo foi sua preocupação. Porém, um fato novo o levou a se dar conta de que a situação é mais complexa e pode afetá-lo diretamente.

Acabou de saber que a esposa está sendo executada judicialmente por uma dívida relativa a dois cheques emitidos por ela para pagamento de peças de roupas, os quais, sem fundos, não puderam ser compensados. E pior: no processo, foi requerida ao Juízo a realização de pesquisas de bens e valores que estejam em nome dele.

Sempre cioso da importância de ter um nome limpo, ele nunca deixou de pagar qualquer dívida. Está indignado. Não consegue mais falar civilizadamente com a esposa, revoltado com o fato de ela ter deixado as finanças chegarem àquele ponto.

Ele finaliza seu relato e me pergunta o que tem a ver com as dívidas assumidas por ela.  Olha para mim, em busca de uma resposta que lhe traga alívio, e eu já fico pensando que provavelmente não conseguirei propiciar-lhe isso.

Pergunto qual o regime de bens que rege o casamento deles, bem como se os cheques foram emitidos antes ou depois de os dois se casarem. Responde que se casaram pelo regime da comunhão parcial de bens e que a emissão se deu bem depois do casamento.

Lembro a ele que, no regime da comunhão parcial, comunicam-se não apenas todos os bens que o casal adquire na constância do casamento, mas também as dívidas contraídas em benefício do núcleo familiar durante esse tempo. Comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, assim como suas dívidas, presumindo-se que estas são feitas em benefício do casal ou da família. Dividem entre si, meio a meio, tais bens e tais dívidas.

Peço que me diga se os recursos financeiros obtidos com o trabalho dela eram utilizados no custeio de despesas do lar ou em benefício da família deles. Ele reconhece que era com os recursos advindos do trabalho que ela contribuía com os encargos familiares.

De acordo com o que me contou, está claro que a dívida contraída pela esposa gerou um proveito comum da família. É por isso que essa dívida obriga os bens comuns e particulares dele, mesmo tendo sido contraída por ela. Se não tivesse havido esse proveito comum e ele conseguisse provar isso no processo, aí, sim, os bens dele não seriam atingidos.

Cabisbaixo, já certo da responsabilidade que lhe cabe, embora se rebele contra essa obrigação, ele se certifica sobre quanto terá de pagar. Respondo-lhe que pagará metade da dívida.

Ele não se contém e esbraveja contra a esposa. Reclama do descontrole financeiro dela; chama-a de incompetente; enfim, diz a mim o que certamente deve estar dizendo a ela desde que se viu envolvido na situação.

Peço que se acalme. Relembro-lhe que sempre teve um casamento harmonioso; que sua família usufruiu do trabalho da esposa dele; que, em nenhum outro momento, ela se envolveu em dívidas, sinal de que não se trata de um comportamento costumeiro. Como homem ponderado que sempre foi, saberá reconhecer que seu casamento e a vida que construiu com ela são mais importantes do que uma dívida.

Sugiro que se lembre disso tudo para não se deixar dominar pela raiva. Apontar o dedo para o outro, julgando-o, em lugar de lhe estender a mão, não constrói nada positivo. Separar a pessoa do problema é uma das principais habilidades no relacionamento humano. O importante é os dois resolverem a situação, quitando logo a dívida. Depois, será momento de terem uma conversa, de verificarem juntos se vale a pena ela continuar com sua atividade informal.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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