Opinião: Abandono afetivo pode gerar indenização por dano moral ao filho

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Abandono afetivo pode gerar indenização por dano moral ao filho
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




A filha completou dezesseis anos recentemente. Não sabe o que a levou a atentar para a ausência de seu pai biológico. Talvez tenha sido o fato de passar a conviver com a meia-irmã em um cursinho preparatório para o Enem. Nas conversas ocorridas no intervalo das aulas, veio a saber que essa meia-irmã, fruto do casamento do pai, sabia que ele tivera uma filha em um relacionamento extraconjugal, mas não sabia quem era. Esse desconhecimento favoreceu a aproximação das duas. Foi então que a filha começou a questionar a atenção (ou melhor, a falta de atenção) que recebera do pai ao longo dos seus dezesseis anos. Esse questionamento já havia ocorrido em outros momentos, mas não com a intensidade de agora. É como se uma gota d’água tivesse feito o líquido do copo derramar de vez.

Pelos relatos da meia-irmã, tomou conhecimento de como ele era presente na vida desta, apoiando-a em todos os momentos. Tornou-se amiga dela nas redes sociais e, seguindo suas postagens, passou a ver os momentos felizes vivenciados em família. O pai sempre ali, presente nas fotos. Começou a se perguntar por que também não era assim com ela, afinal, o fato de ter nascido em uma relação fora do casamento dele não reduzia sua condição de filha. Buscou suas fotos com ele e encontrou umas poucas da época em que era pequenina. Teve de contar à filha que, desde que ela completara cinco anos e passou a frequentar a escola, ele se distanciara.

Um desassossego tomou conta da filha. Quis conversar com o pai sobre as razões que o tinham levado a deixá-la de lado, contar-lhe que estava convivendo com a meia-irmã e que as duas tinham se tornado amigas, mas ele não respondeu às suas mensagens. Isso trouxe uma tristeza que se recusou a deixar o rosto da filha dali em diante. Impotente, sofria com ela.

Boa aluna, estudiosa, a filha almejava cursar Direito. Sua curiosidade por essa área se acentuou quando lhe bateu mais forte a ausência do pai. Procurou pesquisar o assunto e descobriu que o abandono afetivo a que tinha sido exposta podia ser penalizado judicialmente. Agora, todos os dias, convive com o pedido insistente dela para que ajuíze uma ação contra o pai. Como só tem dezesseis anos, não pode, sozinha, fazer isso. Precisa dela, mãe, para assisti-la em Juízo.

Ela tem se recusado a assistir a filha na proposição dessa ação, pois teme que esta sofra mais. Acredita que uma indenização financeira não diminuirá a ausência que a filha sente e certamente acentuará a distância entre esta e o pai. A jovem tem dito a ela estar consciente dos riscos que corre ao processar o pai, mas ter certeza de que precisa tentar fazê-lo perceber o erro que comete ao privá-la da presença e do carinho dele. Com a convivência com a meia-irmã no cursinho, deu-se conta da diferença de tratamento que recebeu, comparativamente ao que receberam os irmãos tidos dentro do casamento. Apoio, suporte emocional e carinho nunca faltaram a eles. Para ela, não há dúvida de que foi discriminada devido ao fato de ser fruto de um relacionamento extraconjugal. Ele nunca compareceu a nenhum evento escolar promovido pelo dia dos pais, a nenhum aniversário após os cinco anos dela ou celebração de final de curso.

Sem saída diante da insistência da filha, procurou-me, pois precisa decidir o que fazer.

Digo-lhe que, de fato, é possível ajuizar uma ação de indenização por abandono afetivo. Os pais têm obrigação, de acordo com a lei, de assistir os filhos não apenas materialmente. Não é suficiente ofertar alimentação, educação e cuidados com a saúde. Não basta pagar uma pensão alimentícia. Eles têm o dever de dar atenção e carinho, pois isso é fundamental para o desenvolvimento saudável de uma pessoa. A criança e o adolescente têm assegurado o direito à convivência familiar. Quem não respeita esse direito comete ato que pode ser penalizado legalmente. O abandono afetivo causa dano, pois interfere na formação da personalidade, afeta a formação da identidade pessoal.

O pai contava com vários meios para se fazer presente na vida da filha, pois, hoje, as tecnologias de comunicação propiciam isso, mas não se dignou nem a responder às mensagens que ela enviou a ele. O tratamento desigual que ela recebeu, comparado ao recebido pelos filhos tidos dentro do casamento, certamente gerou nela mágoa e sofrimento que não se apagarão facilmente. Ressarcir isso é praticamente impossível. A indenização financeira é apenas um meio de compensar o dano sofrido e dissuadir o ofensor de praticar novamente o ato ilícito. Serve também para alertar e educar as pessoas que assumem a paternidade e a maternidade quanto a seus deveres.

Assim, se a filha dela quiser mesmo acionar a Justiça, isso é possível. Porém, é fundamental que ela esteja certa do que quer fazer. Se ela perceber que há ainda meios para buscar a participação do pai na vida dela sem um processo judicial, que trilhe esse caminho. A ação de indenização por abandono afetivo não deve nunca ser motivada pela vingança. Deve, sim, ser demonstração de que abandonar um filho afetivamente é ato ilícito que deve ser punido.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com