Opinião: Eles se separaram, e ela quer a partilha do saldo do FGTS

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Eles se separaram, e ela quer a partilha do saldo do FGTS
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Eles ficaram casados cerca de dez anos. Quando decidiram divorciar-se, foi feita a partilha dos bens adquiridos na constância do casamento, o qual se dera pelo regime da comunhão parcial de bens. Nesse regime, os bens adquiridos após o casamento são considerados comuns ao casal. Em caso de separação, são partilhados meio a meio, independentemente de qual dos dois cônjuges os adquiriu.

Não houve nenhum desentendimento quando ocorreu essa partilha, e sua ex-esposa nada questionou. Porém, agora, ela ajuizou uma ação de sobrepartilha de bens. Ele está confuso. Não sabe o que significa essa ação.

Explico-lhe que a ação de sobrepartilha é o meio utilizado para que se faça uma nova partilha dos bens. Geralmente, é ajuizada quando uma das partes toma conhecimento da existência de algum bem que não foi mencionado em uma partilha anterior.

Pergunto a ele se sabe o que a ex-esposa alega não ter entrado na divisão dos bens do casal.

Ele me responde que ela está querendo receber metade do valor depositado no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) dele, recolhido durante o período em que estiveram casados. Diz que ela é uma desinformada, pois é claro que esse saldo só pertence a ele, afinal foi ele quem trabalhou. Pelo que ele sempre soube, o saldo de FGTS, por ter natureza salarial, é bem que não se comunica, isto é, não entra na partilha em caso de separação.

Comenta ainda que, mesmo que ela tivesse direito à divisão do valor depositado nesse Fundo, podia muito bem ter pedido essa partilha no momento do divórcio, mas não o fez. Ao ver dele, o juiz terá de levar em conta o acordo de partilha que os dois assinaram naquela ocasião.

Pergunto se, no acordo, consta a renúncia dela à partilha do saldo do FGTS. Ele me responde que não, pois não se tocou nesse assunto.

Então, se não há uma declaração escrita dela renunciando aos 50% desse saldo, certamente o Juízo determinará a partilha. Ele, ex-marido, tinha conhecimento de que haviam sido feitos depósitos no FGTS durante o período em que os dois estiveram casados. Pelo dever da boa-fé, ele teria de ter arrolado esse saldo entre os bens a serem partilhados.

“Mas FGTS é verba de natureza salarial! Não pode ser objeto de partilha! Não é assim?”

Explico a ele que o saldo do FGTS pode, sim, ser partilhado. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu o direito à meação dos valores depositados nesse Fundo,  desde que tenham sido “auferidos durante a constância da união estável ou do casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial ou universal de bens, ainda que não sejam sacados imediatamente após a separação do casal ou que tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência da relação".

Sabedor de que havia esse saldo, ele teria de tê-lo arrolado entre os bens quando ocorreu o divórcio. Deixar de arrolá-lo configura sonegação, o que dá razão a ela para ajuizar a ação de sobrepartilha de bens.

Digo-lhe que também o saldo do FGTS dela teria de ter sido arrolado. Então, ele me diz que, durante o casamento, ela havia deixado de trabalhar fora assim que nasceu o segundo filho. Portanto, não havia o que informar nesse sentido.

Acrescento que, se ele tiver sacado, durante o casamento, alguma parte do saldo do FGTS auferido nesse período, esse valor será descontado, partilhando-se o restante. Entende-se que eventuais saques que tenham sido feitos na constância do casamento foram revertidos em proveito do casal.

Fica claro para ele, ao final de nossa conversa, que não se deve ocultar nenhum bem quando se realiza a partilha. Deve-se agir segundo o princípio da boa-fé, isto é, com retidão e lealdade. Isso é traduzido popularmente como “Não faça aos outros o que não quer que façam a você.”

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com