Opinião: Protestante em Formiga

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Protestante em Formiga
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Papai, Seu Coló, era muito católico. Quando veio de Iguatama para Formiga, em 1950, passou a ser vicentino e não perdia as procissões da Semana Santa. No fim da década de 1960, ele fez parte de um movimento que, se não me falha a memória, era conhecido como Apostolado da Oração. Eu e meus irmãos, Cecília e Toninho Maria, éramos obrigados a banho cedo no domingo para a missa das oito na Matriz São Vicente Férrer.

Quando morávamos atrás do Cemitério do Rosário, papai trabalhava na Estação Ferroviária. Terminava seu turno lá pelas seis da tarde e voltava sem pressa pra casa, ia parando para conversar com quem estivesse na porta, muitas vezes, batia palmas e gritava um “ô de casa!” em um tom mais alto.  Na rua Silviano Brandão, ele falava com Seu César da Casa Geni, com o Seu Licurgo do Cartório e com o Doutor Juca do Ginásio Antônio Vieira. Acabei conhecendo todos, sempre que tinha como, subia pra casa na companhia do papai.

Eu era adolescente e ficava muito atenta e curiosa com as conversas daquelas pessoas mais velhas que meu pai dizia serem muito inteligentes. Dos seus amigos, havia um que me parecia muito simpático e agradável, ele se chamava Mariano Silva. Aquele senhor tinha sido prefeito e estava sempre sentado em uma cadeira em um alpendre logo no início da rua. Bem me lembro que usava um paletó preto, tinha cabelos brancos e era, vamos assim dizer, meio bochechudo. Uma graça.

Lembro-me que era um alpendre com piso amarelo que também servia de garagem. Havia uma escada para um apartamento no segundo andar, o corrimão era de metal pintado de preto e degraus do mesmo piso.

Das várias vezes que papai e Seu Mariano conversaram, pude presenciar o ex-prefeito incomodado e triste reclamando de preconceito com relação à sua religião. Protestante histórico, ele contava que tinha de esconder sua fé em épocas de eleição, porque “tirava voto”. Dizia que os espíritas de Formiga eram vistos como caridosos e bons, mas que os protestantes eram como uma ameaça à tradição religiosa do município. Suas palavras me marcaram, eu tinha uns 14 anos e me recordo que já tinha sido orientada a nunca passar pela Rua João Vaz, onde ficava, e fica até hoje, a Igreja Presbiteriana de Formiga. A via era conhecida como Beco Protestante.

Depois daquele dia, passei a prestar mais atenção naquele senhor e o procurava no alpendre toda vez que passava na rua. Ele me reconhecia, dava um sorriso e mandava abraços para meu paiConfesso que foi um choque ver aquele senhor de respeito e já de idade se dizendo vítima de intolerância religiosa em Formiga. Nunca me esqueci.