Opinião: A ‘Dama Misteriosa’ de Formiga

Lúcia Helena Fiúza (de Palmas-TO)

Opinião: A ‘Dama Misteriosa’ de Formiga
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Antigamente, em Formiga, havia alguns concursos de beleza que faziam sucesso. Lembro-me bem da eleição Beleza Negra, evento organizado por alguns parentes do Seu Alaor Parreira, capitão de um terno de congado no Bairro Alvorada, que acontecia no Centro-Operário, um clube que existia em frente à Prefeitura. Também eram sucessos o Glamour Girl (Menina do Glamour), Miss Formiga e a eleição da criança mais bonita da cidade, festas concorridas que lotavam o salão principal do Clube Centenário. Se bem me lembro, os organizadores eram o Dinho Pautilho e o François Khouri, filho da Dona Lisle, minha inesquecível professora.

Certa feita, minha irmã, Cecília, foi convidada para ser jurada no concurso que elegeria o homem mais bonito de Formiga. Foi um sucesso, o vencedor foi o Francisquinho da Maria Inácia, o vice foi o Luiz Eufrásio, que todo mundo chamava de Bicanca, e em terceiro o Jujuca do Bulau, acho que era assim o apelido dele.

Cecília ganhou novas amizades depois de ser “juíza de homem alheio” (ela vai me bater se ler esta coluna), passou a usar bata indiana e a ser vista como uma espécie de influencer psicodélica do início dos anos 1970.

Em uma noite quente, acho que logo depois de a mamãe chamar para jantar, Cecília chegou dizendo que tinha confirmado para alguns organizadores da Feira da Paz que ela, mamãe, toparia ser a “Dama Misteriosa”. Feira da Paz era um evento maravilhoso que acontecia no Campo do Formiga. Misturava lazer, entretenimento e cultura.

A feira era em um terreno atrás do gol que dividia com a casa do dentista Olavo Paulinelli. Cada entidade, Lions, Rotary, Maçonaria e Sociedade São Vicente de Paulo, tinha sua barraca que servia de tira-gostos comuns a pratos típicos (naquele tempo, a linguiça de Formiga não era tão famosa). Em um palco que havia no fim de uma área que servia como praça de alimentação, acontecia um concorrido festival de MPB, que quase sempre era vencido por um filho e uma neta do Seu Pedro Silva, o Pedro Cambista, um dos melhores amigos de papai.

O ápice da Feira da Paz era a apresentação do quadro que perguntava a identidade de uma “Dama Misteriosa”. Funcionava assim, um carro da Polícia Militar, uma Veraneio, passava todo fechado pelo meio do povo. Perto da escada que subia para o palco, uma mulher descia toda camuflada. Usava uma capa Ideal, um capote tipo de boiadeiro, uma máscara igual à do Caetano (aquela coisa feia que veste vermelho na Folia de Reis) e um chapéu com penas de pavão.

O locutor Mário Murari, que era o apresentador, levava a “Dama Misteriosa” para o centro do palco e as pessoas escreviam em um papelzinho o nome de quem achavam que seria a tal mulher da sociedade formiguense, e, claro, pagando uma pequena taxa que seria revertia em benefício de algum órgão beneficente.

Era uma brincadeira alegre e saudável, sempre perguntavam se ela era alguma personalidade que estava presente: “‘Dama Misteriosa’, você é a professora Enaura Pinheiro da Escola Normal?”. E a Dama acenava com a cabeça: “Nãããooo!!!”. Enaura que estava em alguma barraca quase morria de rir. “‘Dama Misteriosa’, você é a Nininha Gomes?”. “Nãããooo!!!” “Você é a Benedita do professor Carlos Leite?”. “Nãããooo!!!”. Era uma festa, quem acertasse ganharia prendas oferecidas por patrocinadores.

Geralmente, a Feira da Paz era em três dias, de quinta a sábado, e a “Dama Misteriosa” só tinha a sua identidade revelada no finzinho do último dia. Só que com a mamãe foi diferente, houve cambalacho.

Na quinta, parou na porta da nossa casa, a gente morava na Rua Nova, uma viatura da PM. O motorista era o sargento Luiz e o soldado Ataíde vinha ao lado dando proteção. Nunca soubemos se alguém viu ou se a informação vazou, mas todo papelzinho que o Mário Murari tirava no palco vinha escrito que quem era a “Dama Misteriosa” era a minha mãe: “Você é a Dona Cidinha do Coló?”. Constrangida, mas protegida pela máscara, mamãe era obrigada a mentir dizendo que não.

Ia dar meia-noite quando o Sargento Luiz e o Soldado Ataíde levaram mamãe pra casa na viatura da PM.

No outro dia bem cedo, um dos organizadores apareceu lá em casa para agradecer a participação dizendo que iam ter de trocar de “Dama Misteriosa” porque todo mundo já estava tendo a certeza de que era ela.

Na sexta-feira, sentamos em uma mesa da barraca do Rotary e muita gente ficou surpresa quando viu no palco uma “Dama Misteriosa” que não era a minha mãe. Ninguém nem atinou que a “Dama Misteriosa” da quinta era alta (minha mãe tinha mais de 1m80) e a de sexta-feira, uma tampinha de, no máximo, 1m50.