Opinião: Ret-flay

Lucia Helena Fiúza (de Belo Horizonte/MG)

Opinião: Ret-flay
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Não sei de onde veio ret-flay, se a grafia correta é com “i” ou com “y” e se tem hífen ou não. Na verdade, eu nem sei se significa alguma coisa que está no dicionário de alguma língua, só sei que em uma época na Escola Normal diziam toda vez que algo era considerado excepcional, bom e moderno em Formiga ele era ret-flay. “Ontem teve ‘Ari som 6’ no Formigão, só tocou Roberto Carlos, nem um ret-flay”; “O Toninho Maia contou que o pré-carnaval no ‘Carcará’ foi ret-flay”.

Uma curiosidade muito grande com relação a Formiga é que seus moradores sempre tiveram gírias próprias, e ret-flay foi uma delas. Teve um tempo em que existia bochecha: “Você foi ao Chega Mais ontem? Tinha muita gente?”, “Fui, a Ferreira Pires e a porta do Clube Centenário estavam bochecha”; “Viu o carro novo do Zezé Honorato? Viu que bochecha?”; “E a camisa amarela baby look do Francisquinho da Maria Inácia… Bochecha, heim…!!!”.

Depois veio campeão. O que valia a pena era campeão. Se fosse muito bom era com ênfase: caaaampeão!. “Com o Toninho no violão e o Dinamar na bateria, o Conjunto Centenário era campeão… Com o Tio Carlos no saxofone então… caaaampeão!!!”. “O Ricardo Torres já cantou melhor, já foi mais campeão”.

O diferente e até engraçado era que campeão era uma gíria machista, só para homens, o equivalente não existia. Nunca ouvi alguém dizer que alguma mulher fosse caaaampeã! pela beleza ou pela inteligência. Não me lembro de a Dalva Batista da Você Modas, da Dona Dinah ou da Doutora Laura Guedes serem tratadas como caaaampeãs! apesar de serem super tops e descoladas (será que em Formiga tratam alguma alma feminina de super top e descolada hoje em dia?).

Já fineza em pessoa, ao contrário, era só para mulher. Homem se fosse considerado uma fineza em pessoa não era bem visto. Macho era para ser casca grossa, se fosse poderoso, e Zé Dendágua, se não tivesse progredido ou se fosse uma pessoa mais sensível.

A Aureci Helena Toscano do Bernardes de Faria, a Dona Aparecida do Nadinho e a Vilma Garcia professora de geografia, todo mundo dizia, eram finezas em pessoa (e eram mesmo). Já os fazendeiros do Sindicato Rural que promoviam Exposições Agropecuárias na década de 1970, aquelas com rodeio torturando animais na base do cutuca Tizíl e do seguuura peão, eram casca grossa. Quem achava que as baixarias do Chacrinha com suas chacretes, que sempre vinham fazendo show de calouros para ridicularizar formiguenses, não valiam enfrentar o frião de junho das margens dos rios Formiga e Mata-Cavalo eram dignos Zés Dendágua.

Os que iam às festinhas em fazendas depois do show no Parque de Exposições eram os senhores empresários e fazendeiros VIPs Casca Grossa da cidade. Não vou citar nomes para não dar morte, mas meu pai foi convidado certa vez para ir a uma dessas (era custo zero, já estava incluso no cachê das artistas), só que ele não quis ir, era um Zé Dendágua clássico. Insistiram e garantiram que o evento seria sigiloso e ret-flay, mas ele não topou.

Hoje em dia eu nem sei se há gírias e pronomes de tratamento exclusivos dos formiguenses, mas devem existir. Esse jeito de falar e de viver são características e tradições que acho que nem a globalização das redes sociais conseguem acabar.