Opinião: Vida de morte

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos-MG)

Opinião: Vida de morte
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado. (luizgfnegrinho@gmail.com)




 Sei que a qualquer tempo ou momento eu vou. Não sei quando, onde, como nem por quê. Sei que vou. E em meio a tudo isso, com ou sem lágrimas, choro a dor dos que partem antes. Dizem, não levam nada além da roupa do corpo. Deixam ou não bens, em dinheiro ou material; amores, se houver, correspondidos ou não. E por igual, os escondidos. Gatos, cachorros e passarinhos também ficam para trás. Dinheiro guardado no banco, coisa rara de acontecer em tempo de crise, continua no registro contábil em favor da titularidade. Poderá sair por ordem de juiz, caso algum xereta não se valha de cartão e senha e o retira ao arrepio da lei e da ordem. No geral, um monte de problemas não resolvidos ficam para outros resolverem. E haja confusão deixada a título de haveres do inventário.

         Muito estranho e triste isso. Se a dor do parto é dura, sei por ouvir dizer, já acompanhei e disso dou testemunho, a dor da partida costuma ser mais na intensidade e consequências. Não propriamente para quem vai. Para os que ficam. Se bem que depende. Existem mortes não sentidas, como as do tipo a ferro e fogo. No exemplo, a morte do homem que tristemente anda pelas estradas da vida e se permite que, afinal, os olhos se percam no vazio de instantes, no inconveniente de todos iguais. Talvez, mágoas retidas no peito, dores, ressentimentos. Pode ser.

         Nos dias que se sucedem, vejo mortes acontecerem por perto e ao longe. Mortes de todo tipo. Ainda há pouco, um jovem da capital, aproveitando-se de uma saidinha temporária do complexo carcerário, resolveu matar duas pessoas a tiros de revólver. Matou como a gente vê em filme. Como se existisse motivo forte e suficiente para tanto. Em absoluto. Não existe nada que justifique alguém tirar a vida de ninguém. Soube que, ao depois, enganou-se. Na verdade, por erro de cálculo, não eram as pessoas que queriam ver mortas. Em macabros ‘ops’, desculpas não aceitas.

         Ouço de repórter que os fulminados pelo estampido da morte estavam no lugar errado, hora errada – o alvo não lhes cabia. Gafe para lá de trágica e sem conserto. Por acaso, o ato da morte tem dono, passa recibo, aplica carimbo para conferência de produto? Mas aconteceu. Morreram. Choraram mortes. Cada um de um jeito. Cena tétrica.

         Queria entender certas coisas. Faço uso de racionalidade cartesiana, não menos dose cavalar de paixão e até muita fé para ver se chego ao entendimento. Tudo muito anárquico. Quando penso: se pudesse olhar para dentro de mim, encontraria um sujeito fragilizado, cheio de remorso. Mais por achar-me incompetente para sentimentos nobres e efetivos para acercar-me da boa prática do raciocínio e da lógica.

         Numa droga de vida que às vezes penso levar, optei por desculpar-me junto ao filho Sérgio e à sobrinha Barbie, torcedores do Flamengo e do Corinthians, respectivamente. No jogo de decisão da Copa do Brasil, tanto incentivara Sérgio pelas cores rubro-negras, quanto Barbie pelo seu alvinegro. E o fiz com o maior descaramento.

         Após o dramático empate de 1 a 1 nos tempos normais, a disputa foi para os pênaltis. Em ato irreflexivo de premonição, conhecendo o fanatismo exacerbado de Barbie, ela, perto de ter um troço, dei-lhe força no WhatsApp, pelo famigerado “acredite”.

         Em espetaculosa noite quente primaveril, por inexplicáveis coisas do futebol, deu Flamengo no Maracanã, com o último pênalti, tendo o rubro-negro se sagrado tetracampeão.

          Sentimento de alívio e menos de arrependimento, passei ao filho os cumprimentos pelo título e à sobrinha que relevasse, já que a vida não se resume a jogos ou campeonato de futebol. Se bem que em termos comparativos, a verossimilhança é imanente, ou seja, está contida no seu objeto de luta e conquista. Uma partida de futebol faz lembrar nossa passagem pela vida: dia pelo outro, altos e baixos. Um dia vai a termo, ritualizamos nossa presença e muito dela deixamos de conquistar.

         Melhor sorte é essa: jogar bem o jogo da vida, em comunhão de equipe, compreendendo os sortilégios e as sutilezas de cada jogada e torcer em renhida disputa para que o término não acabe em pênaltis mal batidos ou bem defendidos por arqueiros das circunstâncias para agrado e desagrado geral.

  E na disparidade dos confrontos, de forma alguma haja violência no universo das partes e do público participante e torcedor. Entre matar e/ou ofender, o melhor é brincar de viver. Fazer de conta, no agrupamento dos quadrados, que dois e dois são cinco. E se acaba tudo bem. Mesmo não estando lá essas coisas num mundo que é de morte.

         Pois é.