BONS TEMPOS – 2

Eduardo Ribeiro (de Formiga)

BONS TEMPOS – 2
Eduardo Ribeiro de Carvalho é membro da Academia Formiguense de Letras




- Olhem lá...! Olhem lá...! Gritava o Narcélio, com semblante apavorado, apontando o dedo para um lugar ao longe, fazendo o possível para mostrar aos seus companheiros o que ele estava, ou pensava estar vendo e que o assustava tanto. Olhem lá...! Repetia ele insistentemente, transido de espanto, até que conseguiu falar: uma mulher, toda vestida de branco, flutuando. 

Todos os outros rapazes que estavam ali com ele, em torno em torno de uns quinze ou mais, olharem aguçadamente, e já com os olhos arregalados de espanto, para o local onde ele afirmava que havia a tal figura assombrosa.

Ninguém conseguiu ver nada.         

Essa curiosa cena se passava nos idos tempos dos anos sessenta, quando uma turminha de amigos moradores do bairro do Engenho de Serra. Voltava de uma jornada programada a um cerrado distante da Cidade de Formiga, onde havia em abundância dezenas de pés de uma fruta de nome gabiroba, que, de tão saborosa que era, induzia aqueles jovens a embrenhar no mato, e empreender aquela longa e sofrida caminhada para saboreá-las.

Daquela vez tiveram muita sorte.

As árvores estavam repletas de frutas madurinhas.

Foi uma festa.

Passaram a tarde inteirinha deliciando-se com elas. Não se esquecendo de guardá-las também, nas sacolas que levaram para este fim, de modo que mais tarde chupá-las em casa com seus familiares.

Entretidos que estavam não viram o tempo passar, quando alguém de repente se lembrou que já se fazia tarde e eles teriam que regressar depressa pois seus pais poderiam ficar preocupados.

O sol já estava se pondo no horizonte.

Os rapazes reuniram-se rapidamente e colocaram-se em marcha, rumo à cidade.

Como todo grupo de meninos felizes, saudáveis e descompromissados, eles caminhavam em algazarra, mexendo uns com os outros, até o momento em o Narcélio iniciou com a aquela gritaria, afirmando estar vendo a dita mulher de braço flutuante.

O sol já havia se posto há algum tempo e a noite ameaçava chegar.

Já não se enxergavam as coisas muito claramente, aquela era a hora, de como diziam, todo gato era pardo.

Mesmo que ninguém, a não ser o próprio Narcélio, havia conseguido ver a tal mulher de branco, a confusão já estava formada.

O grupo frente aquela terrível informação, protegeu-se espontaneamente, unindo –se uns aos outros.

Pelo modo que o Narcélio gritou, ninguém duvidava que ele tinha visto, embora não visse mais, algo tenebroso, algum fantasma ou coisa semelhante. O pior de tudo é que o local para onde o Narcélio apontava, ficava justamente à frente do caminho por ele teriam, obrigatoriamente de passar para retornar à cidade.

O medo e o desespero tomaram conta da turma.

Era difícil ficar calmo naquele momento.

Ficaram ali parados sem ousarem dar um passo sequer para frente. Todos sentiam um aperto no peito por causa daquela história. Alguém tentou acalmar a turma: apavorar não vai resolve, precisamos é pensar numa maneira de resolver esse caso. Neste instante, o Lua, menino dócil, que possuía esse epíteto por parecer mesmo com o astro que gira em torno da terra, tão redondinho que era, já tremendo de medo, como era de ser feitio em situações como aquela, propôs logo uma retirada estratégica:

- Vamos voltar e pegar a rodovia asfaltada, é mais seguro!

Foi quando Vítor, um dos mais despachados do grupo, interveio na conversa:

- Voltar não é um bom negócio. Teríamos de andar, se não me engano, em torno de uns trinta quilômetros a mais, o que levaria muito tempo. Cansados como estamos, é bem provável que algum de nós não consiga vencer esta distância e vai ter que dormir no meio do mato.

Todos escutaram o Vítor com atenção, dando razão a ele.

Contudo, continuaram ali parados.

A situação parecia realmente sem solução, quando Vítor teve uma ideia, a qual foi logo falando atropeladamente para a turma:

Bem pessoal, já que o negócio parece ser coisa de assombração, visto que a mulher que o Narcélio viu usava roupa branca e ainda por cima flutuava, coisas que são características desse tipo de aparição, o melhor que temos a fazer é encarar esse mal com muita reza, que é o único remédio que já ouvi falar para resolver assuntos sobrenaturais.

Na falta de uma opção melhor e considerando a noite que agora já estava mais perto do que nunca, todos concordaram de imediato com a proposta de Vítor. Sem demora, aflitos que estavam para sair logo daquela situação, iniciaram todos a caminhada em sentido ao terrível local, rezando a Ave Maria, uma das poucas orações que a maioria sabia de cor, se não completa, pelo menos em parte.

Só que tinha um problema, ninguém queria ir na frente, puxando a turma e nem atrás, na rabeira do grupo.

E como todo amontoado de gente, tem que ter gente na frente e atrás, aquela turma caminhando e rezando formava um bloco cômico. Se alguém sem querer assumia a frente, logo dava um jeito de diminuir sua marcha adentrando à turma de trás, e se alguém ia ficando para trás, logo apressava o passo e entrava no meio da turma.

E assim aquele bolo de gente caminhava, agarrando-se uns aos outros, sem ter frente e nem rabeira. Mas querendo voltar do que ir para frente. Rezando cada vez mais alto, com toda força de seus pulmões, como se suas preces para serem ouvidas, e atendidas, dependesse do volume de voz.

Aquele imbróglio terminou mais ou menos assim:

Os rapazes passaram pelo local “assombrado”, coesos, olhando firme para frente, rezando sincronizados, em alto e bom som, como se treinados estivessem para desempenhar aquele ato. Na medida em que o local foi ficando para trás, os passos foram se tornando mais rápidos, mais apressados, até que em certo momento, debandaram numa desenfreada e louca correria pela estra a fora, e a reza que estava tão compenetrada em um momento crítico, se transformou em um tremendo alarido, dos gritos de alívio daquele “bando” descontrolado.

Só pararam de gritar e de correr quando entraram na primeira rua da cidade.

Depois, ofegantes, como sempre faziam após alguma peripécia, riram muito do aperto que passaram.

O Narcélio, ainda lívido, continuou afirmando e jurando por todos os santos que a mulher de branco existiu e flutuava, não aceitando de forma alguma, a hipótese de que fora criação de sua imaginação.

Então, acharam melhor, por algum tempo, não efetuar excursões que passassem por aqueles lados.