Opinião: O rodízio do Formigão ao som do ‘Ari Som 6’

Lúcia Helena Fiúza (de Palmas-TO)

Opinião: O rodízio do Formigão ao som do ‘Ari Som 6’
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Eu e meus irmãos, Cecília e Toninho Maria, achávamos que iríamos melhorar muito de vida quando papai, o Seu Coló, conseguisse comprar um carro. Foram várias economias e enxurradas de nãos e “depois a gente vê”, até que parou em frente à nossa casa na Rua Nova um fusquinha azul escuro que diziam estar “em pé” (carro deitado só vi em acidente).

O veículo foi comprado do Frederico da Izaurinha, colega de papai na Rede Ferroviária. Não me lembro bem o ano do possante, acho que inicinho da década de 1960, mas recordo que o parachoques era chamado de poleiro de patos e o farol de tremendão.

O carro ajudava nos momentos mais difíceis, principalmente quando a gente tinha de buscar as compras no Armazém Dragão, a carne no Açougue Modelo e as verduras na Venda do Serafim, era ao lado da ponte que vai para o Quinzinho no Rio Mata-Cavalo. Subimos na vida, e de carro.

A primeira vez que a família saiu junta no fusquinha foi em um sábado à noite, e não deu muito certo. Um pintor de parede amigo que se chamava Ari tinha um conjunto musical intitulado de “Ari Som 6”. O grupo só tocava Roberto Carlos e agradava por onde passava. Ari encontrou papai no Bar do Alan, que ficava no Campo do Formiga, na esquina da Rua dos Viajantes com Pio XII. Contou que iria fazer uma apresentação no Formigão, uma churrascaria que existia nos fundos do Posto São Vicente, na saída para Campo Belo. Era um evento para inaugurar uma novidade na cidade: o rodízio.

Lembro-me de colocarmos as melhores roupas. Iria a nossa família, a do Senhor Inacinho do Rotary e a do Agostinho Barbeiro, que também era músico do Conjunto Centenário.

Ninguém em casa sabia o que era rodízio, só depois fomos informados de que a gente pagava um tanto e comia o quanto conseguisse de carne, podia empanturrar que a conta seria a mesma. Fomos animados, almoçamos pouco, nada de café da tarde, e saímos de casa logo depois de “Irmãos Coragem”, novela de sucesso que a gente não perdia um só capítulo.

Chegamos ao Formigão e tivemos dificuldade de estacionar. Havia vários ficus, árvores frondosas de folhas grandes, e papai não quis deixar o carro debaixo com medo de algum galho cair e arranhar a pintura. Teve de parar longe, passamos por poças d’águas que o lavador do posto tinha deixado fazer barro. Ao entramos, Seu Inacinho e Agostinho acenaram de longe e fomos para a mesa deles. Nenhum levou os filhos, ficamos eu, Cecília e Toninho Maria deslocados.

Começou o show do “Ari Som 6” e só havia três no palco: o Ari, seu irmão Piolho ao violão e o Eustáquio, que tocava teclado com um cigarro no canto da boca. Os outros três não foram. Ficamos de olho pra saber quando começaria a ser servida a carne. Papai chamou o Nestor garçom e recebeu a informação de que o rodízio era só no domingo. Frustração total.

Como tudo que é ruim pode piorar, vieram a chuva, um raio, um trovão, e o fim da energia elétrica. Naquele tempo, qualquer ventinho desligava o disjuntor da cidade. Escuridão total, o Formigão não tinha lanternas ou velas. Como naquele tempo todo mundo fumava, os isqueiros fizeram a vez.

Tristes fomos embora pra casa com os pés sujos e molhados, com fome e sem o esperado “Detalhes” do grupo do Ari, agora, “Ari Só 3”, formação que, pelo que fiquei sabendo, ainda durou muitos anos.