Opinião: Brinquedos formiguenses

Lucia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Brinquedos formiguenses
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




A última vez que me encontrei com o pianista e produtor cultural Marconi Montoli foi na feira hippie de Belo Horizonte, quando ela ainda era na Praça da Liberdade. Ele estava acompanhando sua irmã Marina, talentosa e afamada pintora, e adquiria algumas peças.

Nossa família conheceu Marconi quando nosso irmão, Toninho Maria, foi escoteiro. Marconi era quem organizava a criançada dando conselhos de sempre fazerem uma “boa ação” e de estarem “sempre alerta”.

Não me lembro bem do ano, mas me recordo com nitidez que Marconi trazia consigo uma boneca de papel marché que havia comprado em uma barraca de artesãs, me parece, do Vale do Jequitinhonha.

Conversamos por muito tempo e aquela pessoa que tanto fez pela cultura de Formiga lamentava ter sido maltratado e ignorado por sua própria cidade, ele contou que tudo o que ele havia produzido e realizado teria se acabado por falta de atenção do Poder Executivo que estava à frente da Prefeitura no inicinho dos anos 1990.

A boneca que Marconi carregava me chamou muito a atenção. Quando eu e Cecília, minha irmã mais velha, éramos pequenas, tínhamos uma igual. Quem nos deu foi uma professora muito gentil chamada Sebastiana Laudares, ela era casada com um amigo de meu pai, seu Aguilar Lima, e morava na Rua Monsenhor João Ivo, logo abaixo da Matriz São Vicente Férrer.

Dona Sebastiana tinha ido comprar algumas bonecas de papel marché direto da fábrica que ficava na esquina da Rua Doutor Teixeira Soares com Ypiranga, logo na subida da Rua Nova. Eram para suas três filhas, só que ela comprou uma a mais para nós. Que felicidade!

Apesar do carinho do presente, a boneca, confesso, era muito feia. Tinha um rosto redondo que parecia de anjinho de cemitério de filme de terror e um corpo amarrado de arame coberto com vestido de chita. Era de aparência desagradável, mas adorávamos, era um mimo, tínhamos verdadeira adoração, a guardamos por anos até que um dia, para a grande tristeza, deu caruncho.

Estou contando esse encontro com Marconi e me lembrando da nossa boneca porque, recentemente em Formiga, eu e meu esposo Fafá fomos a um restaurante muito charmoso chamado Pesque e Pague. O lugar é lindo, amplo, com a natureza à mostra e espaço de sobra para a criançada se divertir. Quando chegamos, ainda tinha pouca gente e deu tempo de darmos uma passeada pelo local.

Sentamos para esperar alguns amigos e parentes e o local foi enchendo. Não parava de chegar famílias, e todo mundo com criança pequena. A cada dez minutos, dez “pirralhos”. Imaginamos a algazarra que seria, só que nos enganamos.

Um casal ocupou uma mesa à nossa frente com uma garotinha que parecia de dez anos. A criança reclamava emburrada e a mãe, para acalmá-la, tirou um celular da bolsa e entregou. Ao nosso lado, uma jovem que parecia progenitora de primeira viagem com um neném de colo ligou um aparelho com desenhos coloridos para poder degustar sua cervejinha bem gelada sem ser incomodada. Fiz questão de me levantar e dar uma volta. Em cada mesa, alguém com a vida em botão com celular na mão com os olhos vidrados nos joguinhos, não conversava e não amolava. Juntos, pais felizes e realizados por não estarem sendo atormentados.

Voltei para Belo Horizonte morrendo de raiva dos carunchos cruéis e impiedosos que acabaram com a boneca que ganhamos de Dona Sebastiana Laudares.