Opinião: A segregação em Formiga

Lúcia Helena Fiúza (de Palmas-TO)

Opinião: A segregação em Formiga
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Como diriam algumas amigas do magistério na Escola Normal: segregação é um trem danado. Quando se fala em separação por classe econômica, cor da pele ou por origem familiar, quem reclama do dedo na ferida é sempre quem se sente superior e se julga do lado melhor do tabuleiro. A gente que fala é na grande maioria das vezes apontada como revoltada, mas deixa pra lá.

A divisão entre os que têm e os que não têm sempre existiu e pela organização social imperante, é difícil de lutar contra. No carnaval do meu tempo, por exemplo, quem tinha cota do Clube Centenário ia à sua sede social na Praça Ferreira Pires, quem não tinha, fazia economia para conseguir pagar pelo menos o ingresso de um dia no “Póli” da Praça de Esportes.

No fim de semana, havia os do Country Clube (que se apropriaram indevidamente do termo Lagoa, já que a lagoa é de todos e não só dos associados da agremiação), e os que tinham de deixar de comprar alguma coisinha da qual precisavam para ir se banhar e refrescar na praia do Doutor Ari ou do Acácio.

Naquele tempo, havia um barzinho badalado (e minúsculo, diga-se) chamado Papo de Anjo, ele ficava em frente à Escola Estadual Joaquim Rodarte, na Rua Bernardes de Faria. Lá só ia quem tinha bala na agulha (nunca vi um preto nas imediações em uma noite de domingo), quem não tinha juntava seus trocados para ir namorar na Palhoça, um espaço simplório com cobertura de capim que ficava nos fundos da Casa Três Irmãos (o pior é que os que iam ao Papo de Anjo, em uma demonstração asquerosa de arrogância e preconceito, falavam da “moral” e do “comportamento” de quem ia à Palhoça).

Depois veio o bar Pilão, não o de agora, mas o que havia na Rua Silviano Brandão chegando na Praça Getúlio Vargas. Se você fosse filho de médico, de dentista ou de empresário, ia pra lá. Se não, o lance era o Carcará, um bar sem luxo nos mesmos moldes da Palhoça, que funcionava onde é hoje a sede do Lions, entre a Rua Seis de junho e Monsenhor João Ivo.

A paz, os casais de namorados mais humildes encontravam em dois espaços dançantes. Um era uma boite conhecida como Capricho, ficava ao lado do restaurante Capri, na esquina da Rua Pio XII com Viajantes. Na entrada havia um corredorzinho com mesas para duas pessoas que levava a um salão de danças ao fundo. Boleros e sambas-canções eram trilha sonora e a luz negra fazia com que os dentes dos frequentadores brilhassem. O público dali era formado prioritariamente de moradores do Quinzinho, Quartéis e Rua Nova.

Na Praça Ferreira Pires, outra boite, a Aquários. Ela ficava nos fundos de um bar noturno e movimentado onde hoje é uma lanchonete especializada em empadas. Seu salão de danças era igual ao da Capricho, mas o público era diferente. A maioria era da Chapada e do Centenário, o que prova que a segregação também pode ser por regiões. O mais interessante é que a Capricho e a Aquários funcionavam de terça a sábado.  Diferentemente da boate do Clube Centenário, que só abria as portas para o pecado a cada sábado.

Ps.: O que mais me encantou no festival de linguiça ao qual fui recentemente foi ver que, pela primeira vez (pelo menos que eu me lembre), ricos e pobres, pretos e brancos e moradores de condomínios e de bairros pobres e periféricos dividiam em festa o mesmo espaço público. Há de se parabenizar a Prefeitura pela organização do evento e por ter proporcionado o espírito de pertencimento que fez o formiguense ter orgulho do lugar onde mora.