Opinião: Um faquir e dois ciclistas em Formiga

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Um faquir e dois ciclistas em Formiga
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Dentre os inúmeros amigos que papai fez em Formiga, os que ele mais gostava, acredito, eram os garçons. Pelo menos três frequentaram muito nossa casa quando morávamos no Bairro Centenário. Ele tinha acabado de se aposentar e às segundas-feiras, que é o domingo da maioria dos garçons, se reunia com pelo menos três para jogar conversa fora e tomar uma cervejinha estupidamente gelada. Tinha o Nestor, o José Afonso e o Lafaiete Oliveira.

Lembro-me bem que o Nestor era alto, loiro e forte, o José Afonso era baixo e troncudo e o Lafaiete, esbelto e muito divertido, tinha sempre uma novidade para contar. Talvez por ser conterrâneo de papai, os dois nasceram em Iguatama, Lafaiete era o mais próximo à nossa família. Sua esposa, conhecida como Dona Judith do Florêncio, acabou ficando muito amiga de minha mãe, o que fazia com que as reuniões das segundas fossem ainda mais animadas.

Lafaiete e Dona Judith tinham dois filhos e ela estava esperando o terceiro. Eles tinham o Zé Roberto, que meu pai chamava de Zero Berto, e o Humberto, que virou Um Berto, e o que estava para chegar, segundo o meu pai, seria o Dois Berto. Como naquele tempo tudo era levado na esportiva, ninguém reclamava e era uma festa só. Quando a criança nasceu, uma menina, deram o nome de Bertoldina em homenagem à filha de um farmacêutico chamado Otaviano que era amigo de Lafaiete.

Das histórias que me lembro do marido da Dona Judith contando pro papai, tem duas que considero muito divertidas.      Era início dos anos 1970 e apareceu eu Formiga um faquir indiano. Ele desfilou pela cidade com uma espécie de fralda feita de lençóis e um turbante na cabeça. Sem camisa, dava para ver que ele era magro mas forte, e trazia uma espécie de lantejoula vermelha grudada na testa entre as sobrancelhas. Ele e dois assessores alugaram o salão de bailes do Centro Operário Formiguense, que ficava em frente à Prefeitura, e o locutor Toninho Torres anunciou pelo rádio que o faquir iria ficar exposto em uma cama de pregos durante uma semana sem comer um grão de arroz. Isso dentro de uma caixa de vidro.

No dia marcado, fez fila em frente ao Centro Operário. Para entrar tinha de deixar uma nota de dez dinheiros da época. Começava cedo e os alunos das escolas da cidade podiam pagar meia entrada, foi igual visita ao caixão da rainha da Inglaterra de tanta gente. Por 15 dias, o faquir se exibiu. Morrendo de rir, Lafaiete contava que os pregos eram de borracha e que toda noite, quando não havia ninguém visitando o Centro Operário, ele levava um filé com arroz, tomate e batatas fritas que já estava encomendado no restaurante onde ele trabalhava, o Toca da Onça. O faquir foi embora com a capanga cheia.

Outra muito boa foi com relação a um ciclista que apareceu em Formiga. Ele pregou cartazes nos postes anunciando que iria pedalar por um tanto de dias em volta do coreto da Praça São Vicente Férrer, só saindo da bike para ir ao banheiro da casa de um engenheiro chamado Doutor Sebastião, que ele dizia seu amigo de muitos anos. Era um casarão cor de rosa ao lado de uma barbearia na esquina com a Rua Silviano Brandão.

Para ganhar dinheiro, o tal ciclista vendeu propagandas para vários estabelecimentos. Ele mandou fazer placas do Armazém Dragão, da Loja do Mirabeau, da Casa Auxiliadora, que naquele tempo ficava na praça, da Nova América e do Restaurante Capri. As placas eram colocadas na garupa da bicicleta. Foi um sucesso, a praça ficou repleta de estudantes e curiosos, o sujeito tomava água o dia inteiro e de hora em hora ia ao banheiro na casa do Doutor Sebastião. Em menos de dois minutos, voltava com uma placa de uma loja diferente para trocar.

Lá em casa, Lafaiete contava que o ciclista, na verdade, eram dois, eles eram um casal de gêmeos de Juiz de Fora, se bem me lembro, cidade onde Doutor Sebastião havia se formado. De lá, vinha a amizade, mas não de um, mas de dois ciclistas pelo engenheiro formiguense. Se os ciclistas ganharam muito dinheiro com as propagandas ninguém ficou sabendo, mas nenhum dos anunciantes reclamou.

Não sei se as histórias eram 100% verídicas, mas o pai do Zero Berto, do Um Berto e da Bertoldina garantia que sim.