Opinião: Aluno(a) autista tem direito a professor de apoio na sala de aula

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Aluno(a) autista tem direito a professor de apoio na sala de aula
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




A filha pré-adolescente foi diagnosticada, ainda criança, como autista clássica, forma mais grave, revelando-se em comportamentos repetitivos, atraso no desenvolvimento da fala e dificuldade de interação social.

Quando essa filha atingiu a idade escolar, matriculou-a em uma escola pública que disponibilizava uma profissional de apoio à menina. Assim, no ensino infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, foi acompanhada por uma professora assistente, pois, sozinha, não conseguia realizar as atividades pedagógicas propostas.

Ao chegar às séries finais do ensino fundamental, a filha teve de mudar de escola. Pensou que ela continuaria a contar com uma professora assistente na sala de aula, porém logo descobriu que ali não era ofertado esse tipo de apoio. Procurou a coordenadora pedagógica, levando a ela o laudo médico que descrevia as condições de saúde da filha, seu grau de autismo e as necessidades especiais que tinha.

Explicou que a menina não conseguiria acompanhar a turma sem o apoio de um professor assistente. Se não tivesse essa assistência individualizada, ficaria desorientada e se descontrolaria, o que certamente causaria confusão na sala de aula, impedindo que o professor e os colegas trabalhassem tranquilamente. Em um ambiente tumultuado, todos sairiam prejudicados, principalmente a filha dela, que perderia oportunidades de aprendizagem e socialização.

A coordenadora lhe disse que conversaria com a diretora, mas já adiantou que dificilmente seria designado um professor assistente para a menina. Foi o que de fato ocorreu. A diretora lhe telefonou e disse que seria impossível ofertar esse profissional. Chegou a ser irônica: “Imagine se o Município ou o Estado têm condições de oferecer apoio especial para cada aluno autista que se matricular...” Ao argumentar que, nas séries anteriores, havia sido ofertado esse apoio à filha, ouviu uma resposta taxativa: “ Aqui, em nossa cidade, isso é ofertado apenas nas séries iniciais. Não posso fazer nada.”

Ela me pede “uma luz” – assim se expressa. Não pode deixar que o desenvolvimento alcançado pela filha se perca. Diz que é o que acontecerá, porque a menina se sentirá completamente perdida e voltará a ter suas crises.

A mudança de escola já será algo desconfortável para ela. Ao não compreender algo que quiserem dela na sala de aula, sua frustração e ansiedade poderão desencadear uma reação agressiva, como gritar, bater a cabeça na mesa, jogar objetos. A sala de aula não funcionará bem, se isso ocorrer. Diante de uma crise dessas, haverá algum professor capaz de interromper a aula e oferecer apoio emocional para acalmá-la? Como ficará a aula? Como ficará a assistência aos outros alunos? Como ficará a relação dos colegas com a filha dela?

Digo-lhe que, de fato, ela tem razão em seus questionamentos. Sua demanda tem fundamento legal. A Educação é dever da União, dos Estados e dos Municípios, devendo ser garantida a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, bem como oferecido um ensino de qualidade. Aqueles que têm alguma deficiência têm o direito de ter atendimento educacional especializado. Sem esse atendimento, dificilmente conseguirão usufruir da Educação em igualdade de condições, ou permanecer na escola.

Um laudo médico e relatórios pedagógicos apresentados por professores e pela coordenação pedagógica da outra escola na qual a filha dela estudava serão fundamentais para que ela possa ajuizar uma ação requerendo que esta tenha o acompanhamento de um professor de apoio.

Ela me pergunta se demorará a sair uma decisão no processo. Respondo-lhe que, na petição inicial, faremos um pedido de tutela de urgência para que o professor seja disponibilizado imediatamente. Isso significa que, se esse pedido for acatado pelo Juízo, a filha terá, logo no início da ação, um professor assistente na sala de aula, até que a ação seja julgada definitivamente.

A escola da filha é municipal, portanto a ação será contra o Município. Comento que, certamente, ele alegará a teoria da reserva do possível para se negar a disponibilizar o professor assistente para apenas um aluno. De acordo com essa teoria, os direitos sociais previstos na Constituição Federal devem ser efetivados na medida em que isso for possível financeiramente. Ou seja, algum direito constitucional pode não ser efetivado se isso for muito oneroso aos cofres públicos. 

Diante dessa alegação, nós nos defenderemos, citando outras decisões dos Tribunais para casos semelhantes, as quais se fundamentam no argumento de que não se pode usar a teoria da reserva do possível quando está em jogo o princípio da dignidade da pessoa humana, ao qual está ligado diretamente o direito à Educação. Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê expressamente a figura do profissional de apoio, assim como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial, caso da filha dela.

Ela me diz que a “luz” lhe foi dada. Agradece e se vai, depois de combinarmos que me trará os documentos necessários para que a ação seja proposta.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com