Opinião: Ela pensou que estivesse em união estável

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Ela pensou que estivesse em união estável
 Maria Lucia de Oliveira Andrade Membro da Academia Formiguense de Letras (AFL)




Direta, a pergunta que ela me faz, tão logo se senta diante de mim para conversar, obriga-me a responder também de forma direta: Não. Não é possível reconhecer uma união estável com uma pessoa que está casada com outra. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que é ilegítima a existência paralela de um casamento e uma união estável.

Ao ouvir isso, ela recosta na cadeira. Os ombros caem. Percebo sua decepção com minha resposta. Peço a ela que me explique o porquê da pergunta.

Conta-me que manteve, por mais de dez anos, um relacionamento com um homem casado. Nos últimos dois anos, ele passou a frequentar a casa dela, ficando lá, às vezes, o final de semana inteiro. Que desculpa ele dava à esposa ela nunca soube. Como ele passou a estar com ela mais tempo, acreditava quando dizia que ele e a esposa não tinham nada mais em comum. 

Acreditou nisso, mais ainda, quando, estando juntos, ele passou mal e foi ela mesma quem o levou para o pronto-socorro e lá esteve com ele durante todo o final de semana. 

Já se haviam completado dois anos desde que a convivência dos dois se tornara mais frequente e regular, quando ele teve um mal súbito e faleceu.

Ela foi orientada por uma amiga a reivindicar pensão por morte com base no fato de que os dois mantinham união estável. Porém, outra pessoa lhe havia dito que não conseguiria esse benefício, mesmo tendo tido uma convivência frequente e regular com ele, pois era casado. Foi essa dúvida que a trouxe a mim.

Pergunto-lhe se ele chegou a formalizar a separação da esposa, ou se existem provas de que viviam uma situação de separação de fato, isto é, não mais coabitavam, ou de que, se ainda residiam na mesma casa, estavam vivendo como se solteiros fossem.

Ela me responde que ele não formalizou a separação, mas que havia expressado esse desejo. Não tem como provar que ele e a esposa estavam separados de fato. Para ela, é óbvio que viviam em separação de fato, pois como se explicaria o fato de ele poder passar finais de semana com ela?

Não consigo impedir o pensamento de que, se ele contasse uma boa história, por exemplo, de que tinha compromissos de trabalho, e a esposa fosse crédula e desatenta, poderia, sim, ter passado finais de semana inteiros com uma amante. Não são raros casos assim. Há esposas que, às vezes, por conveniência ou falta de zelo com o relacionamento, fecham os olhos ao que está estampado diante delas.

Tenho de ser sincera e dizer a ela que o fato de ele ter passado finais de semana na casa dela, de terem estado juntos por anos, de a convivência ter-se intensificado, de ele ter expressado desejo de se separar, tudo isso não é argumento suficiente para o reconhecimento de uma união estável entre os dois. Seria necessário ela ter provas de que havia uma separação de fato. Se não existe essa separação, não é possível reconhecer a união estável de uma pessoa casada.

Pelo relato que ela me fez e pela impossibilidade de provar essa separação, o que se entenderá é que o casal manteve uma vida em comum. Além do mais, ela sabia que ele era casado e que assim se manteve; isso não foi escondido dela em momento algum. 

O princípio do dever de fidelidade e da monogamia determinado pela lei brasileira impede o reconhecimento de uniões simultâneas. A lei não reconhece um novo vínculo referente ao mesmo período em que houver uma união estável ou um casamento antecedente, isso valendo inclusive para a concessão de benefício previdenciário. Portanto, não se reconhecem uniões estáveis simultâneas ou união estável simultânea ao casamento. 

Para que a união estável seja reconhecida, é preciso haver provas de convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família. E isto: sendo pessoa casada, terá de se achar separada de fato ou judicialmente. Sem provas, o Juízo entenderá que o relacionamento dos dois não se configurou como uma unidade familiar própria.

Ela se despede, triste. Diz que está desgostosa consigo mesma por não se posicionar firmemente e exigir de seu companheiro uma definição quanto ao seu estado de casado. Não se negou a viver um relacionamento duplo. Não se deu o devido valor, aceitando ser a outra.