Opinião: Quer fiscalizar como a ex-mulher gasta a pensão alimentícia das filhas

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Quer fiscalizar como a ex-mulher gasta a pensão alimentícia das filhas
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Eles se divorciaram há dois anos. Coube a ele arcar com uma pensão alimentícia de quatro mil reais para as duas filhas. Não contestou esse valor, pois, além de seu salário como gerente em uma empresa varejista lhe possibilitar arcar com esse encargo, sempre teve consciência da importância de manter o padrão de vida das meninas.

Contudo, há alguns meses, tem chamado sua atenção o fato de a ex-mulher publicar, nas redes sociais, fotos de viagens com amigas nos finais de semana em que as filhas ficam com ele. Sabe que ela não dispõe de recursos financeiros para tanto, por isso está desconfiando de que esteja usando o dinheiro da pensão das filhas em benefício próprio.

Pergunto se a ex-mulher dele trabalha. Ele diz que sim, mas que ela recebe apenas pouco mais de um salário mínimo, valor que não cobre o lazer que está ostentando. Pergunta se pode obrigá-la a prestar contas das despesas com as meninas. Assim, poderá verificar se o valor da pensão alimentícia está sendo usado todo em prol delas.

Embora exista a possibilidade de eu estar diante de um ex-marido incomodado com a autonomia da ex-mulher e com a alegria demonstrada por ela, mesmo estando separada dele, há também, por outro lado, a possibilidade de a pensão não estar sendo integralmente aplicada em benefício das meninas. Então, meu dever é orientá-lo juridicamente.

Explico-lhe que ele, como responsável pelo pagamento da pensão, tem o direito de fiscalizar a correta destinação do valor que paga. Faz parte do seu dever como pai cuidar dos interesses das filhas, portanto, pode solicitar informações e/ou prestações de contas da ex-mulher, que é responsável pela administração do valor pago.

Ele me diz que já pediu isso a ela, mas não conseguiu nada: ela se recusa a lhe prestar contas. Alega que ele está incomodado com o fato de ela estar se divertindo sem ele; que não precisa comprovar nada, pois basta ele lembrar que são muitas as despesas com mensalidade e material escolares, alimentação, vestuário...

Pergunto-lhe o que pensa desses argumentos dela. Ele me diz que não procedem. Tem um novo relacionamento, está feliz com quem vive, “que a ex-mulher viva como quiser, desde que não seja com o dinheiro que ele destina às filhas”. Conta que tem observado que as filhas trajam sempre as mesmas roupas, e que soube, recentemente, ter sido aplicado um desconto sobre a mensalidade escolar pelo fato de as duas serem irmãs que estudam na mesma escola.

Percebo, em sua fala, que ele tem expectativas, caso fique provado que as despesas das meninas são inferiores à quantia que ele paga como pensão alimentícia, de que lhe seja devolvido o valor que se mostrar a mais. Trato de deixar claro que não será bem assim. A ação de exigir prestação de contas em pensão alimentícia não tem necessariamente o objetivo de condenar alguém a pagar o montante que não foi usado em favor dos filhos, mas, sim, verificar se a aplicação dos recursos da pensão está atendendo ao melhor interesse desses filhos, às necessidades demandadas por seu desenvolvimento físico e psicológico. O valor da pensão pago mensamente destina-se a isso.

Esse meu comentário o faz lembrar-se de algo mais que a ex-mulher alegou: ela lhe disse que não existe devolução de dinheiro de pensão alimentícia, pois é usado para a subsistência de quem o recebe.  Explico-lhe que está mesmo prevista em lei a irrepetibilidade dos alimentos. Isso significa que não se restitui àquele que paga a pensão alimentícia o valor que acaso tenha pago sem ser devido.

Porém, levando em conta algumas decisões dos Tribunais de Justiça, a irrepetibilidade pode ser contestada se ficar comprovado que houve má-fé por parte de quem recebeu a pensão. Em casos assim, já se determinou a quem agiu de má-fé devolver o valor usado indevidamente. Acrescento que, mesmo tendo agido de boa-fé e mesmo existindo a irrepetibilidade dos alimentos, isso não desobriga a ex-mulher de prestar contas.

Mais que um direito dele, como pai alimentante, é seu dever zelar pelos interesses das filhas. Monitorar o uso da quantia que paga como pensão alimentícia, assegurando que elas sejam assistidas em suas necessidades, faz parte disso. Se é o bem delas que o está movendo, sugiro que tente, mais uma vez, dialogar com a ex-mulher, buscando entender como se dá tal uso. Se não for bem-sucedido na tentativa, o caminho será ajuizar a ação de prestação de contas.

 

  Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com